Faltam 2 meses e estamos nos últimos preparativos: escolher e marcar alojamento; reunir e validar os equipamentos que estão em caixotes na arrecadação há 8 anos (alguns já comidos pelos bichos); renovar aquilo que já não está em condições; pedir emprestado aqui e além material para as miúdas; comprar o essencial em falta; pôr-me em forma; sim, muito em forma para desfrutar ao máximo aquilo que perdi nos últimos 8 anos; fazer desporto todos os dias – se não der para ir ao ginásio, então fazer em casa.
Estou focado e o exercício físico sempre foi um prazer e não um sacrifício, até que esta saga me leva ao limite e PAU!!!! Auch!!!! Esta doeu-me. Espera lá …. Já não consigo fazer mais nada. Não me consigo baixar. Não me consigo dobrar. Diagnóstico: bloqueio das sacroilíacas. Começam as sessões de fisioterapia, acabou-se o desporto e tenho 2 meses para me recompor. 2 meses esses que não chegaram e apenas remediaram o estrago – vá-se lá saber se estraguei mais alguma coisa… o melhor é não saber mesmo (para já). Agora restava-me munir do Compex, Transact, Voltaren e muita fé.
As expectativas começavam a ficar cada vez mais baixas. Somos animais de mar e praia, pouco amigos do frio, as miúdas detestam desporto, ainda teríamos que deixar o Miguel a cargo dos avós e, os preparativos eram mais que muitos, com o volumoso material de neve a ocupar muito mais espaço que aquilo a que estamos habituados para umas férias normais. Depois estava a faltar a adrenalina que me faz borbulhar o sangue pelo vertigem radical. Tinha passado muito tempo e já nem me lembrava muito bem das emoções do snowboard, pelo que não havia uma atracção fatal que me estivesse a empolgar entusiasticamente para esta expedição. No fim, eram mais os preparativos e preocupações do que a ânsia de partir.
E, ainda bem que assim foi, porque a recompensa e prazer soube a triplicar. E deixo um concelho para quem vai pela 1ª vez em família: acreditem que os vossos filhos vão de certeza absoluta conseguir fazer ski. Eu quase que não acreditei e estive para desistir e por isso digo-vos: se as minhas fadas princesas bailarinas conseguiram superar a tortura das botifarras a massacrar os pés e as intensas dores nas pernas, de certeza que os vossos filhos vão conseguir também.
No final do 2º dia, ver a minha fadinha de lágrimas dos olhos a dizer que detestava e não queria mais fazer ski, levou-me à decisão de ir entregar o equipamento e retirá-las das aulas. Para elas tudo estava a ser um sonho, desde o primeiro contacto com a neve, aos trenós, ao ambiente polar e natalício da vila, do nosso chalet impregnado numa paisagem de capa de chocolates, ao jacuzzi que para elas mais seria um spa de luxo numa piscina olímpica, à sua gigante suite de meninas onde elas e as amigas podiam desfrutar à vontade tudo que queiram fazer. Tudo, para elas decorria na perfeição até ao momento em que entravam na aula de ski, para onde seguiam teleguiadas pelas amigas que já dominando os meandros do ski as conduziam em rebanho. Contudo, depois de uma segunda aula mais intensa, com muitos tralhos e neve a entrar por onde não devia, o desespero tomou conta delas e de mim, que fiquei mais inclinado em substituir o ski por umas horas de brincadeira de trenó na neve.
Felizmente bastou tirar partido da excelente localização do nosso chalet e deslocar a aula de ski para a porta da nossa casa, para transformar todo aquele pesadelo em renovado prazer. E, parafraseando as palavras do meu amigo: “Vais ver que de um momento para o outro vai-se fazer um clic e elas vão começar a descer sem cair.” E assim foi, ao 3º dia e já na pista frontal da nossa casa elas começaram a fazer as primeiras descidas de ski e tudo se tranquilizou.
Este foi o último ingrediente para tornar as férias perfeitas, já que tudo o resto decorria em pleno. A estância era fenomenal e por ser menos badalada que as irmãs Chamonix ou Saint Gervais acabava por ser também menos “crowded” (não me perguntem qual é que eu não digo). De facto nem se notava ser uma semana de férias de Carnaval. Éramos a família dos portugueses daquela estância de ski. Depois de um primeiro almoço na pizzaria e do aluguer dos skis, ficámos com esse rótulo que nunca mais nos largou. Chegávamos ao supermercado e em poucas trocas de palavras já nos interpelavam com o: “Aaaaaaaa vocês é que são aquela família de portugueses”. Ao telefone para escola de ski, lá nos respondiam: “Sim, sim, a família de portugueses.”. E por mais estranho que pareça, além de nós nunca nos cruzámos com qualquer outro português durante aqueles dias.
Uma vila pitoresca e familiar, com algumas das pistas mais fantásticas de sempre que me levaram a autênticas paisagens de filme e me fizeram reviver o mesmo sentimento de Manhattan quando me apercebi de que aquilo existia de verdade e não era apenas um cenário de uma grande produção Hollywoodesca. Os ambientes envoltos de árvores são sempre o “appetizer” dos viciados na neve, mas as paisagens de maior altitude rompendo a vista de cumes brancos até ao infinito também me faziam elevar às recordações do avião a caminho de Pequim sobrevoando o deserto branco da Sibéria. Tudo era um relax e algumas horas de snowboard a solo pelos Alpes sempre acompanhado do Monte Branco faziam uma verdadeira terapia para o meu cérebro.
Por vezes parava e ficava alguns minutos apenas a escutar o som do silêncio, aguardando pelo primeiro nómada que iria romper de uma curva com o som dos seus skis a dar fim àquela serenidade. Acho que foi a primeira vez que de facto ouvi o silêncio. Não me parece que alguma vez tenha conseguido estar num sítio onde realmente ouvisse nada: nem o mar, nem um pássaro, nem o vento, nada. Aqui foi a primeira vez que consegui registá-lo e neste vídeo apenas se ouve os meus movimento e da máquina fotográfica.
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Por fim, o convívio complementado com algumas iguarias francesas, incluindo o tinto que apesar de tudo só conseguiu recuperar algum nível quando ultrapassava a fronteira para o lado ibérico. Salvaguarda-se a casta Gewurztraminer, que qualquer que fosse a marca francesa dava sempre um excelente recuperador gastronómico pós-ski e pré-jantar.
Para completar as minhas memórias dos banhos de sol na fulgurosa varanda do meu chalet, só faltou um champanhe francês. Foi uma grande falha minha, mas para o ano está prometida a foto da praxe num balde gelo, com o monte branco em pano de fundo.