Não celebramos o 2º lugar

October 1, 2013

Os triunfos de Rui Costa e João Sousa deixaram-me especialmente contente. Primeiro porque gosto muito de desporto e são raras as modalidades que não me despertam interesse. Segundo porque se tratam de duas das modalidades desportivas com maior relevo mundial e nas quais Portugal nunca conseguiu mostrar créditos ao nível de grandes potências como a França, Inglaterra, Alemanha, Espanha, etc. (desde criança que me tinha que contentar com os feitos do hóquei que ainda por cima e inexplicavelmente mais recentemente nos passaram a escapar. Como que se por ser português tinha a obrigação de me contentar com uma bola de novelos, enquanto os outros podiam jogar com uma bola de “catchum”). E por fim, a 3ª razão que me deixa arrebatado de alegria é a forma como foram conseguidas estas vitórias, relegando de forma inequívoca o 2º lugar para os outros. Nós não queremos mais o 2º lugar. E basta ler/ver os resumos dos dois triunfos para constatar esse facto, verdadeiramente inédito e espectacular.

Pois, eu já estou completamente farto das vitórias morais do 2º lugar. Eu não quero celebrar o 2º lugar. Estou farto do 2º lugar. Estou farto dos feitos portugueses como a derrota da selecção portuguesa na final do Euro 2004; da derrota do Frederico Gil na final do Estoril Open; do 2º lugar do ciclista Sérgio Paulinho nas Olimpíadas de 2004 que ficou a 1 segundo de Paolo Bettini (velha “raposa”); Do 2º lugar da campeã mundial Vanessa Fernandes nas Olimpíadas de 2008 que perde para a experiente australiana Emma Snowsill; etc.

Eu estou farto da conversa de que o outro tem mais experiência, de que o outro foi “sabichão”, de que soube aproveitar-se do desportista português. Se assim é então que aprendamos a fazer o mesmo. E finalmente parece que isso aconteceu.

Eu sempre tive o lema de que nunca temos duas oportunidades na vida. Quando estás próximo de poder conquistar algo verdadeiramente inédito, não voltarás a ter outra oportunidade igual. A conversa de que perdeste, mas entraste na alta-roda dos campeões, ou que agora passarás a ser reconhecido e respeitado é uma verdadeira TRETA. CONVERSA FIADA. Nunca vi isso acontecer. Antes pelo contrário, o que se vê é que perdida essa oportunidade há uma progressiva degradação e decréscimo dos feitos alcançados.

Se alguém está num momento de forma e alta inspiração, tem mesmo que aproveitar essa fase e não deixar fugir a oportunidade. De que vale ganhar uma ronda a um tenista de um ranking superior se logo a seguir perde com um de ranking inferior? Não faz qualquer sentido. Podem dar-me todas as explicações que quiserem mas nenhuma me convence.

Convence-me sim o que fez o João Sousa. Ganhou ao número 4 do ranking nos quartos-de-final e assim continuou vencendo os outros 2 favoritos que estavam bem à sua frente no ranking. Não há complexos, não há respeito. É chegar e vencer. Mais impressionante ainda foi a forma como João Sousa ultrapassou aquele velho infortúnio do fado português e enfrentando um match point contra si, conseguiu virar o jogo a seu favor. IMPRESSIONANTE. Acabou aquela conversa de morrer na praia. Baralhou as contas do adversário, desorientou-o e derrotou-o.

Depois segue-se o ciclismo. A velha conversa de que temos bons “trepadores” mas nos sprints somos fracos. Junta-se a tradição de que quem segue na frente no sprint final acaba por perder. E afinal o Rui Costa não só faz um esforço tremendo de recuperação para alcançar o líder da corrida, como marimba-se nas palavras interpeladas pelo seu adversário e virando-lhe as costas parte destemido para a recta final. Primeiro reponde-lhe acenando com a cabeça no sentido da estrada, como que dizendo ao seu adversário: “Segue. Vira-te para a frente.” O Joaquim Rodriguez insiste em falar com o Rui Costa e este responde-lhe novamente da mesma forma. E depois disso sai disparado como uma seta para a meta, ignorando qualquer tentativa de acordo com o adversário. Só terminou na vitória. É um triunfo verdadeiramente soberbo e frente ao poderio espanhol. Não há medos, não há complexos, nem fragilidades e nem desculpas.

Por tudo isto é que estas duas vitórias têm um significado tão empolgante e fizeram-me vibrar tanto como aquelas vitórias do José Mourinho que deixam todos boquiabertos, como quando levou o FCP a eliminar o Manchester em Old Trafford calando um estádio cheio de ingleses. São daquelas vitórias que se sentem na alma e que dizem que cheguei aqui, sou português, não quero saber quem tu és e vou-te ganhar. Adorei. Embrulhem.

E por fim dizer só que o ar cabisbaixo dos derrotados era o ar que eu gostaria de ver sempre nos nossos segundos lugares. As lágrimas do ciclista Joaquim Rodríguez pelo 2º lugar e o ar completamente frustrado e incrédulo do tenista Julien Benneteau que tendo um match point na mão ao 2º set deixa fugir o triunfo para o português João Sousa. É assim que se perdem as grandes finais: Com tristeza e consciência de que se teve a um passo de alcançar um feito histórico. E não dizendo que para o ano cá estaremos para vencer, quando na verdade isso nunca acontece.

Mais do que a vitória, acima de tudo fiquei muito contente com a atitude demonstrada e ficar-me-á sempre na memória o punho cerrado do João Sousa e o aceno de cabeça do Rui Costa reiterando o desafio dos adversários