O meu “Lost in Translation” – epílogo

March 4, 2013

(Este texto foi escrito na viagem de ida para Pequim e antes dos outros três já publicados)

Há 10 dias atrás, duas da manhã estava eu a caminho do hospital com o Miguel a bater febrões de 40ºC e pensava: “Se este gajo não fica bom mando a conferência para as urtigas. Não quero saber...”. Uma semana depois deste episodio e já com o Miguel curado, estou eu desta vez no centro de saúde a ser observado por um médico que me detecta uma bronquiolite e recomenda a não viajar para a Pequim.

Quando os maus ventos não o atingem a ele, chegava agora a hora de me atingir a mim. Que irritação esta PDI aguda. Antigamente bastava uma ida ao mar para curar um início de constipação. Agora basta uma ida ao mar para que esta se transforme numa bronquiolite. Com isto já lá vai uma pneumonia no meu CV (há cerca de 2 anos) e passarei a ter em conta tudo isto de cada vez que pensar em apanhar umas ondas. O mar nem esteve grande coisa e muito pouco aproveitei, mas não ficaria de consciência tranquila em partir para uma viagem destas sem uma breve confraternização com os meus companheiros de armas. Foi neste espírito que me despedi deles, mas agora com um custo mais alto a pagar.

Mas desde o início que esta viagem pouco me entusiasmou e nunca pensei que chegado o momento houvessem tantos indícios a fazer-me ficar por cá. No dia da véspera de partir, o diagnóstico do médico associado a uma nuvem de poluição tóxica que rodeia Pequim fez-me mesmo adiar a viagem. Nunca o tinha feito. Mas há sempre uma 1ª vez para tudo. E como apesar de não ser crente, tenho um certo fascínio pelo destino achei que já eram sinais a mais que me diziam para ficar por cá.

Não posso dizer de boca cheia que a opção mais fácil seria partir para a China, tendo tudo mais que planeado e reservado. Não posso dizê-lo porque no fundo, no fundo não tinha mesmo vontadinha nenhuma de viajar, pelo que acabava de ter uma excelente desculpa para ficar mais uns dias. Uma desculpa para fugir a um desafio pessoal. Nhac, não gosto nada. Mas de facto num episódio semelhante em que com 39ºC de febre não cancelei a ida ao espectáculo do Wall, do Roger Waters e, munido de benuron e brufen enfrentei as adversidades para registar um momento histórico na minha vida, valeu-me em troca uma boa pneumonia.

Por enquanto era só uma bronquiolite e um antibiótico para a curar, mas não me apetecia nada que tudo se transformasse em algo muito pior, apenas pela minha teimosia em não querer acomodar-me às situações mais confortáveis.

Assim optei por ficar em Lisboa e uma sensação de alívio, misturado com grande desconforto envolveu-me durante esse fim-de-semana em que decidi não entrar no voo que me levaria a Pequim. Tentava fundamentar racionalmente a minha decisão, mas não conseguia parar de pensar no transtorno e encargos adicionais que isto poderia trazer ao projecto que financiava a minha participação na PPoPP13. E o pior é que não havia mesmo nada a fazer a não ser aguardar por 2ª Feira para desvendar como tudo seria solucionado.

Agora é 4ª Feira e já estou no avião a caminho de Londres e depois para Pequim. A alteração do voo foi pacífica e sem encargos, embora só ontem à tarde é que me tenham dado a confirmação, o que não me deixou tempo suficiente para replanear a minha viagem.

No meu plano inicial pensava aproveitar ao máximo esta deslocação ao outro lado do mundo, com uma diferença horária de 8 horas, para visitar alguns marcos históricos como a cidade proibida, a grande muralha, entre outros. Na verdade nunca tinha sentido tão pouco entusiasmo na planificação de uma viagem como desta vez. Ia completamente sozinho, para um local onde muito pouco falam/entendem inglês e uma cultura completamente díspar da nossa. Aventuras acompanhados, sim adoro. Aventuras a solo por países desenvolvidos como a Austrália, também me fazem vibrar. Agora viajar sem nenhum destes componentes deixa-me um pouco aterrorizado. Os meus maiores receios na viagem à Austrália parecem agora migalhas ao pé dos desafios que vou ter que superar nesta viagem.

Depois há a parte complementar que deixo em Lisboa. Tudo se torna cada vez mais difícil. Dantes deixava metade só de mim em casa. Depois dois terços e, por aí fora. Agora já vou em 4/5. 80% ficam e só levo 20%. Fosse eu um aventureiro genuíno e tudo isto seria vivido com o maior desplante. Mas não sou e simultaneamente entendo que todas estas experiências são enriquecedoras e tornam-me mais sapiente. E por isso, enquanto uma parte dificulta-me toda esta aventura, a outra diz-me que a tenho que fazer render ao máximo explorando o maior leque de atracções que consiga atingir.

E, num plano inicial a viagem compreendia 3 dias em Pequim, 2 em Shanghai, 5 em Shenzhen (local da conferência) e o regresso via Hong Kong. Isto porque não há voos directos de e para Shenzhen, fazendo-se sempre ou via Pequim ou Hong Kong. Desta feita e ao contrário de todas as outras, queria ter tudo mais que planeado e arrumado com a máxima antecedência e não deixar como sempre os preparativos até ao último minuto em que ainda tenho que ir comprar uma espuma de barbear com menos de 100 ml, um saco de plástico transparente, os cadeados para a mala, o adaptador de tomadas eléctricas, backup do portátil, actualizar o outro portátil das viagens, marcar hotéis, autorização de deslocação no ISEL, trocar dinheiro, arrumar o porta moedas das viagens, tratar do visto, preparar a apresentação para a conferencia, etc.

Tantas tarefas concretizadas, para depois serem canceladas e reagendadas. Mas agora muito pouco estava pré-reservado. Vou chegar amanhã 5ª Feira a Pequim e tenho um voo marcado de Shanghai para Shenzhen na 6ª Feira à noite. O que me deixa duas opções: 1) dormir em Pequim ou 2) dormir em Shanghai. Opção 2: Ter que esperar mais umas horas no aeroporto de Pequim e fazer de seguida mais um voo para Shanghai não me parece nada interessante. Por isso e apesar dos elevados níveis de poluição de Pequim, acho que vou seguir a opção 1), munir de uma máscara (também uma experiência nova) e só vou para Shanghai na 6ª Feira, depois de tentar ter uma noite de sono e recuperação.

Simultaneamente fiquei a saber que não tenho entrada livre nas workshops da PpoPP13 de sábado e que no Domingo a minha exposição só decorre a partir das 17:00, ao mesmo tempo que abre oficialmente a conferencia com a recepção de boas vindas. Por isso não vou fazer nada para Shenzhen na 6ª Feira e vou tentar reagendar o meu voo para Domingo de manhã. Além disso tenho ainda que marcar a viagem de Pequim para Shanghai que estou a pensar fazer na 6ª Feira. Talvez de TGV.

Tudo isto já parecem ser Ses a mais para quem gosta de ter tudo tão bem planeado. Algo me diz que isto não vai correr nada assim.