Uma nau em tamanho real a flutuar ao nível de um 3º andar? Sim é aqui mesmo. É Shenzhen. Ainda não tive oportunidade de ler a história desta cidade, mas dado o nível de arrumação com que tudo parece ter sido desenhado e nascido com um propósito, diria que tem um passado muito recente. Corrijo agora a minha primeira comparação com um parque tecnológico para efectivamente comparar a um COLOSSAL parque tecnológico. E depois há de todas aquelas inovações típicas de um espaço destes como o mítico parque temático, com todos os apetrechos a que tem direito incluindo a montanha russa de dimensões avassaladoras. A cereja no topo do bolo foi quando começo a discernir ao longe algo que se assemelhava muito à torre Eiffel. E não é que era mesmo. Mais um enorme espaço agora dedicado aos templos mediáticos de todo o mundo. Só vi da parte de fora e também lá identifiquei umas enormes colunas que faziam parte de umas ruinas romanas. Vá-se lá saber. Confirma-se... são doidos.
A PPoPP13 foi realmente uma conferência de topo e distingue-se de qualquer outra a que tenha ido. Esta é eleita como a conferência por excelência na área da programação concorrente e isso comprovou-se no terreno. É incrível ver uma apresentação onde alguém vem destronar um dos algoritmos mais usados em estruturas de dados concorrentes e que faz parte de muito do software que vocês usam sem saber, ou que eventualmente terá que ser cada vez mais usado dada a natureza paralela das aplicações. Falo da implementação da ConcurrentLinkedQueue do Java que se baseia no algoritmo de autoria de Maged M. Michael e Michael L. Scott, que data de 1996. Estamos falar de algo com 17 anos de vida, assumido quase como um pressuposto e que vem alguém agora mostrar uma melhor implementação, estando o próprio Michael L. Scott (senhor na casa dos 50 anos) na audiência. Um outro miúdo da Oracle vem mostrar que um dos algoritmos mais usados para implementação de Reader-Writer lock (proposta de Krieger de 1993), contem de facto um Bug. Contudo a probabilidade deste se manifestar é muito baixa e só por verificação formal é que se conseguiu provar que este realmente acontece e claro, depois de intensas experiências com milhares de horas de execução terem detectado a sua ocorrência esporádica. Este foi o mote dado a um estagiário, por alguns gurus da Oracle: Dave Dice, Luchango, Mark Moir e Yossi Lev. Por intuição disseram-lhe como é que eles achavam que o problema se resolvia e o miúdo tratou de o pôr em prática e chegar a uma solução ainda mais eficiente. Não tarda teremos esta nova implementação no Java.
De facto ainda não se encontrou forma melhor de produzir inovação e na falta de uma metodologia mais eficaz, continuam a existir milhares de conferências da treta em todo o mundo que servem para gastar o dinheiro de fundos financiados em parte com orçamentos que os governos se propõem despender, para que no meio de tanta “investigação” possa realmente surgir uma ideia que resulte em inovação. Existe uma economia de mercado em torno de todas essas conferências que movimenta milhões e que serve uma vastidão de interesses que vão desde as empresas, às universidades. E porquê? Por duas razões: 1º) porque a economia faz-se da circulação do dinheiro e por isso é preciso gastar e que se gaste naquilo em que muitos acreditam e que ainda faz sentido. E para o comum dos mortais esta “dita ciência” faz sentido. 2º) Porque é preciso continuar a existir 99% de conferência sem interesse, e 99% de teses de doutoramento a ir para o lixo, para que se produza de facto 0,01% de teses de doutoramento que produzem de facto ciência, resultante em inovação.
Depois de 4 dias no meio de tanta arrumação, terminou a conferência e chegou a altura de regressar ao caos - atravessar a fronteira para Hong Kong. De um lado e do outro vive-se um alto índice de desenvolvimento, embora com características distintas. No meio dos 2 parece que cada um se esforça por manter o pior possível o espaço que não é de ninguém. Um autêntico susto. Somos enxotados de um lado para o outro, por caminhos muito mal assinalados. Subo escadas e volto a descer. Tudo sujo, mal iluminado e sem sinaléticas. Vou seguindo mais ou menos o fluxo de pessoas e quando me engano, alguém me puxa pelo braço e aponta para o lado dos “foreigners”. Fila para sair de um lado e fila para entrar do outro. E, passados mais uns quantos corredores chegamos finalmente a uma zona mais ampla e limpa onde podemos apanhar o comboio para Hongkong.
Estou um bocado assustado com a imensidão de pessoas que nos envolve por todos os lados e invade os ouvidos de linguajar chinês. Chinês, chinês, chinês. Tudo escrito em chinês. Para apimentar ainda mais o ambiente, dois gajos pegam-se à tareia por se terem tentado sentar ao mesmo tempo no mesmo lugar do comboio. Já deu para notar que estes tipos fervem em muito pouca água e quando discutem fazem-no bem alto, lembrando aqueles militares vietnamitas a ditar ordens, que são reproduzidos em inúmeros filmes americanos.
Felizmente, que tinha escolhido o sítio mais central de Hong Kong para pernoitar, pelo que só teria que mudar uma vez de linha de comboio.
E agora sim, quando saio da estação de metro e vislumbro a luz da cidade, tenho uma sensação semelhante à de desembarcar em Manhattan. Isto sim é Manhattan. Shanghai é uma tentativa de outra coisa qualquer que os chineses tentaram fazer e que resultou em algo inédito também, mas com um outro espírito. Não consigo explicar muito bem, mas foi o sentimento que se me reproduziu interiormente ao encarar pela primeira vez Hong Kong.
Aqui não se ouvem carros, a apitar. Pode-se ouvir esporadicamente, mas nada comparado àquela disciplina rigorosa de condução chinesa que impõe uma mão no volante e outra na buzina a assinalar o mínimo obstáculo que se imponha na frente. Lá na China são buzinadelas contínuas e interruptas. Aqui não. E logo isso demonstra uma cultura diferente. Aqui também podemos atravessar em passadeiras sem correr o risco de ser atropelados. E, quando os carros mudam de direcção param se estiver alguém junto ao passeio, dando a vez aos peões para atravessar.
Os táxis são todos iguais, do mesmo modelo e cor: cinzento e vermelho. Atrás, diz apenas “toyota royal confort”. Um modelo 3 volumes, de linhas bem quadradas e antigas, mas com um ar extremamente robusto e fiável.
Vêm-se miúdos vestidos com a farda da escola e também se vêm algumas famílias de europeus a passear com filhos bebés, dando ideia de estarem ali estabelecidos. Enfim, muito movimento nas ruas, mas totalmente diferente de Shanghai.
E quando somos abordados por alguém é maioritariamente por indianos que têm casas de alfaiates e que nos perguntam se queremos comprar fatos por medida. Respondo que não e desistem de imediato. Nada comparado à sensação claustrofóbica de Shanghai em que sentimos o passo próximo de quem nos está a seguir e numa abordagem repentina e pegajosa se inicia um constante bombardeamento de seduções.
Deslocamo-nos à vontade, os passeios são largos e sinto-me bem. Com isto penso que não teria sido uma má opção de todo, ter aceite em 1999 o convite para passar uma temporada a trabalhar em Hong Kong. Mas como sempre confio no destino e se não vim cá parar naquela altura, era porque não estava calhado eu ter que vir.
Mas de facto tudo aparenta que se vive bem aqui. Além do desenvolvimento, também existem jardins, parques, paisagens, montes, miradouros, e até uma boa praia. Tudo isto não pude visitar e confirmar, mas acredito na descrição que li. Depois temos disponíveis todas as facilidades da globalização e a comida chinesa (que se calhar não é bem chinesa) não se compara aos estapafúrdios que comi na China. Em suma, isto não é a China e por isso não nos é tão estranho.
A temperatura é muito mais amena e próxima de um clima tropical, sentindo-se muito a humidade no ar. Depois de uma experiência com temperaturas negativas em Pequim, levo com um choque térmico que atinge os 28ºC. Mesmo à noite a temperatura não baixou dos 24ºC.
Se tivesse que resumir a experiência de toda esta viagem a uma única frase diria que é: “tão surpreendente como visitar os USA, mas ao contrário”.