Restaurante regionalmente chinês. Os empregados não entendem nada, nada, NADA. Tudo à base do exercício do Pictionary. Já ontem os empregados sorteavam entre eles qual é que me vinha atender de cada vez que os chamava. Agora, sinto como se tivessem mil olhos em cima de mim. Sou uma autêntica ave rara. Ou mais daquele género de um nórdico tentando passar despercebido no meio de mediterrânicos. Pimba e agora acabo de ser fotografado. WTF!!!! Estou impávido a olhar seriamente para o tipo que me fotografou. O gajo diz que sim com a cabeça, querendo confirmar de que me tirou mesmo uma fotografia e levanta o polegar em sinal positivo. Eu não retribuo o cumprimento e mantenho-me estupefacto a fitá-lo. Que olhem para mim, enfim, agora fotografar?! O outro convida-me a juntar-me à mesa deles e partilhar a sua travessa de comida. A intenção é boa e até seria porreiro se nos conseguissemos entender, mas esquece lá isso.
Sente-se uma mística um tanto xenófoba no ar. Já sabia que aqui se vivia num mundo à parte, mas estava muito longe de imaginar a sua dimensão até cá chegar. E não me refiro apenas à China, ou chineses, mas a muito mais que isso. Estamos a falar de uma vasta extensão de terra e um número imaginável de pessoas. As diferenças na língua não se baseiam apenas na ausência de um alfabeto ou de um simples idioma que não sabemos falar. É muito mais do que isso. A fonética é completamente díspar, a maneira como se produzem os sons e não há qualquer ponto onde nos consigamos fixar. Imagino que entre eles: coreanos, chineses, japoneses, vietnamitas, etc; possam existir semelhanças nos fonemas, tal como nós também o conseguimos identificar noutros idiomas europeus. Mas entre os sons que produzimos na europa e aquilo que se ouve aqui, vai uma distância colossal. Não há qualquer som que eu consiga identifcar duas vezes em conversas diferentes. É um autêntico ruído de fundo que vem da televisão, do rádio, do ambiente do restaurante, etc. E é isto que tento explicar. Não se trata de ser um europeu na China, mas sim um europeu entre uma vastidão de pessoas (que imagino serem maioritariamente chineses, acho eu) e não ter qualquer ideia daquilo que me rodeia.
E de facto agora consigo perceber um pouco a razão de não existir praticamente qualquer tipo de informação disponível em inglês. Para nós ocidentais é assumido que o inglês é a lingua de comunicação por excelência no estrangeiro. E tirando, um ou outro sentimento mais bairrista ninguém põe isso em causa. Mas que direito nos deu de assumir que esta deveria ser também a língua oficial no oriente? Pelo menos para mim assim o assumia, sem qualquer dúvida. Mas tal como para nós o inglês é a lingua ocidental mais falada, para os orientais essa língua é o Mandarim (e defacto a mais falado no mundo, de acordo com a wikipedia). Por isso estamos a falar de 2 mundos completamente à parte, quase sem relação comum, onde de cada lado cada um assume os seus princípios, a sua história, a sua cultura e a sua língua predominante.
Portanto, poque é que eles não têm inglês no seu plano curricular de ensino? Porque não, porque seria mais lógico terem japonês, coreano, ou outa língua asiática e não uma língua que para eles seria demasiado complexa de entender e falar.
E agora se estás cá, azar o teu, porque é assim que eles também se sentem quando estão do nosso lado, ou ainda pior. Pois, nunca tinha realmente percebido a razão de sempre que vemos turistas orientais, estarem amontuados em grupo de excursões guiadas por um nativo. Mas pensando bem, no caso deles nem se quer irão encontrar qualquer indicação, sinalética ou cardápio com caracteres chineses e não têm qualquer hipótese de orientação. Pelo que só me resta agradecer a reduzida informação em inglês que vou conseguido obter aqui. Pois no ocidente não lhes retribuímos da mesma forma.
Volto os olhos para o meu prato empregnado em molho doce, malagetas e pimentas. Como sacar as ervilhas do arroz xau xau, mas ainda pior. De vez em quando lá vem a fava e sinto uma pimenta a estilhaçar-se entre os meus molares. O que vale é que a comida está tão doce, tão doce, que abafa por completo o picante das malaguetas e pimentas. Não é a melhor comida que alguma vez comi, mas também não é tão má como os pedaços de carne desensaibidos que comi na véspera.
Ontem serviram-me uma espécie de sopa aguada com pedaços de tomate inteiro e umas pontas de carne sem qualquer sal. Tinha que mastigar 20 vezes até conseguir fazer descer aquela comida pela goela abaixo, tal era a falta de sabor. Já hoje ao almoço pude finalmente saborear uma refeição verdadeiramente saborosa. E, não é que estes gajos também sabem cozinhar? O problema é só descobrir os sítios certos. Outra agradavel surpresa é o acompanhamento do chá com a sua comida mais regional, fazendo uma combinação harmoniosa. Diz-se que em Roma sê romano e de facto isso ajuda-nos a melhor saborear a comida deles. Tal como um bom vinho complementa na perfeição a comida ocidental.
Estamos em época de passagem de ano. Um marco importante nas celebrações chinesas e que ao contrário do que acontece no ocidente, aqui prolonga-se por vários dias. Por isso é frequente ouvirmos fogo de artificio a rebentar, ora mais longe, ou mais perto, sem qualquer nexo ou hora pré-definida. Já fora do restaurante e a caminho do meu hotel, surge do nada, cá fora, o dono de uma loja e, sobre uma uma mesa previamente montada começa a lançar fogo de artifício a 5 metros de mim. Fui interpelado com os estrondos que me apanharam completamente desprevenido e quase me matava de susto. Estava tão perto que me abriguei por trá de uma árvore, nao fosse ser atingido acidentalemente. O espectáculo durou uns 30 segundos e depois tudo voltou à normalidade como se não se tivesse passado nada. Estes chineses são doidos.
Encontrei Pequim completamente empregnada numa núvem de fumo. Ontem a qualidade do ar atingiu níveis tóxicos de 380 (lá numa escala ao Buda... ou o que era). Um assassíneo silencioso. Apesar disso, parece que a poluição ainda está longe dos níveis mais mortais e ao contrário do que me recomendaram, não se vê ninguém na rua com máscaras.
A cidade é extremamente grande e nem consigo realizar ao certo todo o seu tamanho. Apercebi-me disso entre as várias voltas de taxi e a visita à grande muralha. Parece-me mesmo que supera a dimensão de São Paulo no Brasil. Uma dimensão tal, que só me deixou ver uma pequenina amostra nos 2 dias que por cá passei. Existem muitas partes da cidade com prédios modernos e estelizados que não tive oportunidade de ver. Acabei por só andar a pé na zona dos monumentos históricos de Pequim que depois são intercalados com os típicos bairros chineses de casas baixinhas e ruas muito estreitas. Vê-se muito pouco verde e tanto os telhados como os ramos das árvores sem folhas imanam uma plícula de pó que os cobre. O cinzento é dominante, como o resultado de uma passagem de um holocausto nuclear. Este cenário de degradação acentua-se nalgumas das paisagens que vejo na viagem de comboio até Xangai. Passamos por vezes por pequenos lugares de prédios cinzentos, com os vidros estilhaçados e inabitados. Autênticas cidades fantasmas. Se tivesse que escolher uma música para este cenário seria o Uprising dos Muse.
No meio de tudo isto, a predesposição com que estava a encarar Pequim era a mesma com que tinha encontrado Bangkok, há 10 anos atrás. Poluição, monumentos imponentes intercalados com urbanismo, “lost in translation”, comida estranha, 3º mundo e contudo, uma cidade segura e sem registos de violência. Por isso e em oposição, neste meio gosto de manter uma postura mais descontraída e sem grandes stresses, tantando viver algumas das especificidades da cidade. Assim e à semelhança de Bangkok onde o tuk tuk, foi o transporte privilegiado das minhas deslocações, talvez aqui fosse o típico triciclo. Por isso não foi de admirar que ao fim de uma caminhada na direcção da cidade proibida tenha-me sentado a bordo de um destes veículos. O preço dado era tão ridiculamente barato que nem negociei e nem realizei como era estupidamente insignificante – 3 Yuens, não mais que 35 centimos – incluindo uma volta comleta à cidade proibída, mais um ou outro monumento. Tal e qual como em Bangkok, mas aqui está um frio extremo na casa dos 4 graus negativos que torna este passeio bastante incómodo.
De repente, entramos num daqueles bairros mais típicos onde as ruas começam a estreitar ao virar de cada esquina. É a parte do passeio com emoção. Até que paramos e o guia diz-me que chegámos e que é só virar no final da rua para chegar à entrada da cidade proibida. Tirei as 3 notas para pagar e o indivíduo começou-se a rir a dizer que eu estava maluco. Ok, devo ter percebido mal, toma lá 30 Yeuans – 3,5 euros. E ele voltou a acenar que não com a cabeça. Mau, já não estou a gostar disto e então ele mostra-me o seu cartão de condutor de triciclos altamente qualificado onde se lia 300 Yeans. Ok, já percebi, o esquema está todo montado e eu fui completamente enrolado. Tentei ripostar, primeiro tentando acordar um preço mais justo, tendo como termo de comparação o valor do taxi do aeroporto até Pequim, numa viagem de cerca 25 Kms que tinha custado 70 Yuens. Mas nada. Responde-me ele: “Paddle, paddle”, referindo-se ao esforço que teve que dispender a pedalar. Depois exigi então o passeio completo tal como me tinham anunciado e não que me deixasse ali naquela rua, sabe-se lá onde. E ele, voltou a insistir que tinhamos chegado ao destino. O tom da discussão começou a aquecer e eu não via forma de sair dali. Estava metido numa grande alhada. Ainda pensei fugir, mas sabe-se lá se não era imediatamente apanhado. Estava frio e eu com o jet lag ainda mais desnorteado estava. Até que o folano puxou-me o braço e mandou-me sentar no triciclo dizendo que me levaria de volta ao início, mas sabe-se lá desta vez para onde!? E ainda pouco convencido que mesmo os 300 Yuens resolvem-se o problema abri a carteira e dei-lhe o dinheiro que ele me pediu. O tipo ainda ficou a protestar e eu segui caminho, confirmando-se que ao virar de 2 esquinas estava na avenida principal que desabocava na entrada da cidade proibida. (mais tarde li na web que este é um típico golpe de Pequim, nada censurado pela polícia e que no meu caso nem correu assim tão mal. Mais tarde falo-vos de outro golpe em que já não caí, mas que tem afectado ainda mais os turistas em Xangai).
Ainda parei para almoçar e já não fui a tempo de visitar o interior do palácio, restando apenas ver todos os imponentes monumentos do lado de fora, juntamente com a mítica praça Tianmen.
Desta vez o Jet Lag está a ser muito pior de curar. Deitei-me às 21:00 e à meia-noite já estava acordadíssimo. Depois só adormeci novamente às 4 am e às 6:30 foi um pesadelo para conseguir sair da cama. A partida para a visita à grande muralha estava prevista para as 7:30 e não dava direito a atrasos. Ainda era um longo caminho de cerca 100 Kms, alguns mais sinuosos, até atingirmos a muralha. Depois não há muito mais para descrever para além daquilo que já tinha visto muitas vezes em filmes e documentários. A sensão é de que temos realmente algo único à nossa frente, que quase imaginamos que também faz parte dos cenários montados, mas que na realidade existe mesmo.
Já no Hotel tinha que preparar então a próxima etapa para Shanghai e agora mais uma surpresa vinha para me stressar. A eDreams confirmava a transacção e reserva do voo, mas não me tinha enviado o número de bilhete electrónico. O tal bilhete que devia chegar num outro email em separado que nunca chegou e agora não sabia se tinha ou não o voo marcado para Shanghai (donde no domingo de manhã teria outro voo marcado para Shenzhen, local da conferencia). Para ter uma noção, fui consultar como estava a disponibilidade de voos para o dia seguinte e notava-se já uma diminuição acentuada com o número de lugares disponíveis a preços mais baixos bastante reduzido. Ou seja, caso a reserva não fosse confirmada ficaria quase sem hipotese de arranjar um bilhete a preços acessíveis. Tentei contactar a eDreams e nada. Tentei contactar a Easterm Airlines e nada. Pedi então na recepção para que fossem eles a ligar para a Eastern Airlines, já que eles têm sempre uns números por traversas disponíveis, mas o resultado também não foi nada conclusivo. E, restando já muito pouco tempo para concretizar uma decisão, optei então por ir ao quiosque e agendar o TGV para Shanghai, onde teria poucas probabilidades de ter lugar, dada a proximidade da compra e época de festividades na China. Mas consegui. Comunicando com a operadora através de um tradutor de Inglês <> Chinês lá conseguiu agendar o meu comboio no meio de um emaranhado de caracteres chineses. Ufa.
E já hoje no dia de partida chegou a confirmação de canelamento da eDreams e restituição da transacção. Safei-me.