6º dia - 22 de Junho – Lancies Left e Bintang
Este é o dia mais pequeno de toda a viagem. Dificilmente se vê arrancar um set com boa formação. Andámos a engonhar um bocado de manhã até decidir o que fazer. Estávamos atracados ao largo de Lancies Left, mas antes de entrarmos aqui ainda fomos espreitar uma outra onda – Bintang. Pareceu-nos demasiado pequena e optámos por regressar a Lancies Left, onde acabámos por surfar.
Pouco rendeu. Além de pequeno, estava bastante raso o que não deixava margem para grandes manobras.
Depois de almoço aproveitámos para ver um filme – Wolfman - e pelas 17:00 fomos então surfar Bintang que agora já estava com melhor formação. Esta onda faz lembrar um pouco a onda do Reef na Ericeira, mas talvez mais fácil, apesar de igualmente rasa. O drop era bastante louco e depois via-se a onda rebentar em cotovelo, como se que à medida que vamos percorrendo a onda não saíssemos do mesmo sítio. Ficámos aqui até o sol se pôr.
O jantar foi comida mexicana. Depois seguiu-se a habitual sessão de Wii.
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7º dia - 23 de Junho – Hollow Trees (ninguém entrou), Roxie e Green Bush
Continuo incontactável. Há 3 dias que não comunico para Portugal. Cada vez que entramos em isolamento sinto-me como a Apolo 13 quando foi forçada a desligar a energia e entrar num período de hibernação de comunicações. Hoje é 4ª Feira e já começo a contar os dias ao contrário.
Cada vez tenho mais a certeza que tenho um feitio comodista. Tenho essa convicção pelas parecenças que tenho com alguns familiares que partilham esse feitio. Ou seja, aparentemente até me daria muito bem com um estilo de vida confinado ao meu dia a dia profissional e familiar, porque é aí que me sinto bem e tranquilo. Mas depois viria aquela sensação de lugar comum e de me igualar a uma infinidade de pessoas que nunca se superaram a si mesmos. E por isso me obrigo a colocar à prova em todos os meios. Sabendo assim exactamente pelo que ia passar e a ansiedade de regressar à família que me iria roer, não tinha dúvidas que este era o lugar onde eu tinha que estar neste momento. E aqui estou.
O mar e o tempo hoje estão como o meu espírito – cinzento. Voltámos a passar em Hollow Trees, mas o aspecto do mar não estava nada convidativo a entrar. Por isso arrancámos para Green Bush – uma viagem de 2 horas. Este era o início de um dia cheio de viagens de barco. Fazia lembrar aqueles dias em Portugal em que vamos surfar para um local e a direcção do vento ou do swell não é a melhor e depois passamos o dia todo em busca de um sitio melhor, para chegarmos ao final e acabarmos por não surfar em nenhum lugar. Foi quase assim.
Em Green-Bush o vento não estava nada bom e por isso fomos para Roxie que fica a mais 1 hora de viagem de barco. O pior é que hoje o mar estava super picado e o barco saltava imenso nas ondas.
Chegados a Roxie o mar estava pequeno, as ondas moles e com má formação. Entraram quase todos e eu optei por ficar no barco deitado a descansar. Preparava-me assim para o 1º dia sem surfar nesta viagem. Às 16:00 o vento voltou a rodar e o David decidiu que devíamos ir para Green Bush apanhar umas ondas de fim de dia. Mais 1 hora de viagem.
Aqui chegado já estava tão mareado que optei por entrar a ver se me passava um pouco o enjoo. Tínhamos apenas 30 minutos para explorar esta onda antes que o sol se pusesse. Então aqui revelou-se o espírito mais desprezável do ser humano. Até aqui todas as surfadas do grupo eram tranquilas e super amigáveis. Todos se incentivavam a todos, respeitava-se a ordem de chegada ao pico, mingúem dropinava e ninguém dava a volta ao pico. Mas quando haviam apenas 30 minutos de surf para partilhar por 10, o civismo foi posto de parte e cada um só pensou em si.
Uns dias atrás o Marcus disse uma grande verdade: “Escolheste o desporto que tem as pessoas mais desprezíveis da face da terra.” Isto acerca da opção tomada pelo Hector, nove anos antes de começar a praticar surf quando o médico lhe disse se ele não mudasse os hábitos de vida iria morrer cedo. Nessa altura o Hector trabalhava em França e tinha duas opções possíveis: hipismo ou surf. Claro que primeiro optou pelo hipismo dando razão à opinião do Marcus. Mas os cavalos assustavam-no e acabou por mudar para o surf. Hoje quem o vê a surfar com 39 anos, não diz que ele pratica apenas à 9 anos. E assim apesar deste meio tão mesquinho acabou por se entregar de alma.
Hoje muitos dos que aqui estão mostraram a parte má da sua alma surfista em Green Bush.
Mas este dia tinha que acabar como começou. Saídos da água voltámos a arrancar para mais 1 hora de viagem em sobressalto sobre as ondas. E então já não me aguentei muito mais. Quando chegou a hora de jantar e nos chamaram para a mesa, assim que me sentei, olhei para a comida, voltei-me a levantar, dirigi-me para a beira do barco e cá foi disto – vómito borda fora. Não vomitei muito porque não tinha lanchado e não tinha nada no estômago a não ser água.
De seguida vou para a casa de banho para lavar a cara e quando saio passamos mais uma grande onda que me desequilibra ao mesmo tempo que estava a fechar a porta, acabando por deixar a mão junto ao eixo da porta para me segurar. O meu polegar ficou como uma noz no meio de um quebra-nozes. A porta fechou e o meu polegar lá ficou. Ghrrrrrrrrrrrrrrrr….. A casa de banho era mesmo ao lado da mesa de jantar onde todos estavam já sentados a comer. Aguentei a dor, engoli o berro e ninguém à mesa se apercebeu do que se tinha passado.
Olhei para o dedo e de imediato a unha ficou emoldurada em sangue. Dirigi-me ao reservatório de água e tirei um copo de água gelada onde deixei o dedo de molho, voltando para a beira do barco. Enquanto eu ali estava, o pessoal da mesa ia-me perguntando: “Então Miguel? Já te sentes melhor?” Ao que respondia: “Sim, sim bem melhor.” Agora já não era o enjoo, mas a porra do dedo que me estava lixar. Mas que azar de merda.
Tomei um Vomitim para o enjoo e quando o barco finalmente parou comi duas torradas e um dos chás que o Charlie tomava todas as noites. Fiquei bem melhor. Depois já mais calmo, contei em tom de garça o meu azar de quando ainda lixei o polegar lodo a seguir a ter vomitado. Mais vale rirmo-nos dos nossos pequenos azares.
Nesta noite vimos mais um filme – The Secret. Não desgostei, mas todos os outros acharam uma verdadeira banhada.
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8º dia - 24 de Junho – Macarronis
Mais um pico mediático e um crowd de morte. Aqui só podem estar ancorados dois barcos de cada vez. É necessário fazer a reserva e pagar uma taxa prévia. No entanto quando cá chegámos estavam 5 barcos e 30 surfistas na água. Assim ficámos a aguardar que chegassem as autoridades e mandassem alguns surfistas embora, para que conseguíssemos surfar.
Quando entrei na água estava uma equipa de miúdas profissionais de surf que apanhavam todas as ondas e estavam sempre a dar a volta ao pico. Era quase impossível apanhar ondas. A minha paciência para estes filmes está mesmo nos limites. Tudo o que há de mal neste desporto está-se agora a revelar ao mais alto nível. Nestas alturas penso que quando chegar a Portugal me desfaço do material e nunca mais volto a apanhar ondas.
Irritado mudei de postura e também vesti a faceta desprezível de não respeitar prioridades. Assim remei bem para dentro ultrapassando todos e apanhei uma boa onda. Mandei uma chapeleta e um belly no final. Voltei ao pico e ultrapassei novamente toda a gente ouvindo então o comentário irónico do Pedro: “Já estás a aprender como é…” Estava-me assim a tornar naquele espírito reles que mais odeio e critico neste desporto.
Tive que esperar mais uns 30 minutos até entrar um set em que conseguisse apanhar outra onda. Agora apanhei uma bem grande e redonda. À medida que dropava, a onda começou de imediato a envolver-me e a sua borda cristalina reflectia o azul do céu. Olhando para ela deixei-me cobrir por um tubo bem oco e seco: YAAAAAAAAAAAAAAAAaaaaaaaaaaaaa…. Já estava o meu melhor tubo da viagem. Felicidade pura. A manobra mais difícil e mais recompensadora que há.
Voltei para uma 3ª onda. Tive que repetir o mesmo número de me chegar bem para dentro para conseguir apanhar mais uma. A 3ª era novamente grande, mas agora já estava muito para dentro e era difícil conseguir sair do tubo. Arranquei bem, encaixei ainda melhor, mas rapidamente a onda ultrapassou-me e logo na 1ª secção levei com o lip no corpo sendo atirado para o fundo, bem para cima do tapete de corais. Senti as garras de um coral a estripassarem-me o lombo das contas, bem fundo e bem prolongado. Meu rico short de alças que me valeu mais uma vez. O neopren de 3 mm foi suficiente para que o coral não se espetasse nas costas, ficando apenas com um vermelhão superficial.
Agora começa a chegar aquela altura em que só entro na água apenas porque não tenho mais nada para fazer e ficar no barco é bem pior. Ao fim de muito tempo aqui fechados acabamos por ficar mareados e enquanto vamos ao mar e voltamos, ficamos novamente com a alma renovada.
A grande particularidade disto tudo é que normalmente basta-me ir surfar uma vez por semana para me manter o espírito reanimado. Aqui eu estou há 8 dias a surfar quase todos os dias sem parar de manhã e à tarde. Isto é uma completa exaustão de ondas. Algo impossível de ter em qualquer outra parte do mundo e que só se consegue ter em quantidade e qualidade exactamente aqui. A sensação é a mesma de estar numa estância qualquer de ski onde temos disponíveis dezenas ou centenas de pistas para esquiar. Mas enquanto estâncias de ski encontramos centenas delas pela Europa fora. Uma estancia de surf como esta não se encontra em mais nenhuma parte do mundo.
Há ainda a parte do “risco de vida”. Parafraseando: “Não há almoços grátis”. E aqui também não. Para se conseguirem ondas com tanta consistência é necessário um tapete de corais emaranhados entre si, que formam reentrâncias abrindo cavernas debaixo de si. E aqui os perigos são vários.
Na surfada da parte da tarde está um tipo na água com uma parte da cabeça rapada. Achei o penteado um pouco estranho. Apesar de a moda não impor desenhos simétricos, achei aquela pelada fora do normal. Mais perto dele vislumbrei então uma cicatriz de cerca de 10 pontos (tendo em conta que essa era a dimensão da cicatriz que tive um dia no joelho). Se um gajo já é maluco por se arriscar a surfar sobre uma manta de corais, o que é que será um gajo que depois de partir a cabeça regressa ao mar?
Depois de mais dois bons tubos e um terceiro que apesar de bom fiquei fechado (desta vez sem tocar no coral), decidi então voltar ao barco. Nesta altura estava bastante gente a entrar de outros barcos e o mar estava-se a tornar insuportável. Já a subir para o barco, olho para o barco ao lado e reparo que um surfista estava entrar com a cabeça completamente ligada. Tipo jogador de futebol que depois de chocar com outro e rachar a cabeça é completamente envolvido por uma fita branca que lhe tapa tudo até à testa.
Começo então a achar que se calhar os meus objectivos a partir daqui têm que mudar um pouco. Se batesse de cabeça no coral com a mesma violência com que bati com as costas naquele dia, poderia ficar em mal estado. Já levava uma lembrança no braço de Hallow Trees e se calhar já bastava. O objectivo número um está concretizado, por isso vamos passar ao objectivo número dois que é voltar intacto.
Ao mesmo tempo atinjo a minha fase de saturação da viagem. São muitos dias limitado a um espaço pequeno. Acabo por continuar a surfar, não porque me apeteça (até porque já estou para lá de satisfeito), mas apenas porque a sensação de ficar no barco é pior do que surfar. Ao fim de umas horas ancorados no barco embrenhados no baloiçar ficamos completamente hipnotizados, entrando no remoinho de molenguice que não nos deixa fazer nada. Sensação horrível.
Depois há aquela parte da rotina habitual. No início tudo tem piada. Lavar os dentes na beira do barco, tomar banho ao ar livre, beber uma cerveja na proa, fazer refeições ao relento, etc. Agora lavar os dentes é uma sequência enfadonha de tarefas como: pegar num copo, enche-lo na deposito de água, dirigimo-nos à beira do barco, esfregar os dentes, olhar o horizonte, o céu, as estrelas, a lua (se houver), continuar a esfregar os dentes, bocejar, lavar a escova, deixar o copo no lava-loiças e voltar para dentro do barco.
O banho também tinha a sua quota-parte. Havendo 3 opções: duas casas de banho fechadas, ou um chuveiro na parte de traz do barco no fim dumas escadas já quase em contacto com o mar. Esta última é a melhor opção já que as casas de banho se tornam demasiado quentes, parecendo mais um banho turco. Assim não há nada melhor que um bom banho de água doce (ou melhor dizendo, dessalinizada) com o por do sol como pano de fundo, debaixo de um céu encarnado. Mas ao fim de umas semanas isto já é mais uma pacholice em que espaçadamente pego no champô e gel de banho, dirijo-me molengo até ao chuveiro e meio moribundo lá tiro o sal do corpo. Depois segue-se a tarefa do tratamento das feridas: ulcerase para os cortes dos pés, betadine para os cortes de coral do braço, mais um bocado de betadine no pescoço, etc.
Isto é um ritual, sempre os mesmos passos, sempre a mesma rotina.
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9º dia - 25 de Junho – Macarronis
Na sessão da manhã senti-me muito bem fisicamente. Fiz ondas bem comprimidas e bons 360, apesar de cada vez que fazia um ter que aguentar o ardor do corte que tenho no braço a raspar sobre a prancha. Mas como se diz na gíria: “quem corre por gosto não cansa”. Surfei umas duas horas e depois regressei ao barco para a minha habitual refeição de meio da manhã: “uma tosta de queijo e um sumo de maça.”
Da parte da tarde vi mais um filme: “In the Valley of Elay”. Era um daqueles filmes que queria imenso ver na altura que estreou no cinema e que tal como muitos outros não tive oportunidade. Vi-o depois de almoço e fiz um intervalo entre as 15:00 e as 17:00 em que fui novamente surfar.
A surfada foi uma sessão de tubos fechados. Depois de surfarmos várias vezes a mesma onda sentimo-nos mais à vontade e começamos a arriscar um pouco mais. Assim foi, com tubos bem profundos, mas em nenhum consegui sair. Das vezes em que conseguia sair, também não entubava e limitava-me a manobrar. Foi uma surfada divertida e tranquila.
Macarronis fica ao lado de um resort e por isso à noite decidimos ir até lá para ver o jodo de Portugal-Brasil. O problema é que viajar num dingy à noite para um resort, não é exactamente a mesma coisa que fazer uma viagem até ao pico das ondas. Além disso a costa é sempre protegida por uma barreira de corrais, que torna a aproximação à ilha numa tarefa minuciosa. Assim enquanto um dos indonésios pilotava o dingy, o outro segurava uma lanterna com um forte foco que iluminava o fundo de recife. Volta e meia lá batíamos levemente sobre um recife. O motor ia bem elevado fora de água só com a hélice a roçar a superfície. E assim lá nos íamos manobrando vagarosamente fazendo “slalon” entre os corais.
Até que o Marcelo, que já ia bem aquecido pelas enumeras cervejas que bebera antes de sair do barco (preparação para o jogo), achou que devia ajudar e pôs-se de pé dando indicações sobre a localização dos corais. Mas o seu desequilíbrio contribua mais para a oscilação do barco do que propriamente ajudar a desviar dos corais. Assim de imediato eu, o Pedro e o Luís mandámo-lo sentar-se. Mas ele continuava: “Cara… eu quero ajudar. Esses caras não estão vendo os corais desse lado…”. E continuava em pé a abanar o barco e a dar indicações aos indonésios. Estes também não gostaram da ajuda e ordenaram que ele se sentasse. Finalmente sentou-se.
A entrada na ilha estava escura como bréu. Deixámos o mar para trás e somos encaminhados por uma espécie de lago sempre envolvido em densa vegetação que deixa o ambiente ainda mais escuro. Andámos uns bons metros até se entrever finalmente aquilo que seria o lobby do resort, onde iríamos ver o jogo.
Os primeiros passos sobre a ilha dá-nos aquela sensação de que o chão flutua e que continuamos a baloiçar no barco. Tive que passar o jogo bem sentado para que a terra parasse de abanar. Ainda houve alguma confraternização com uns brasileiros de um outro barco que também tinham ido no seu dingy até ao resort.
No regresso e já junto ao cais para reembarcar no dingy, vemos uma cobra coral a passar junto a nós. A partir daqui os nossos olhos ensonados (já eram 23:00 e estávamos habituados a deitar-nos às 21:00) reabriram-se e redobrámos atenções a tudo que nos envolvia.
Depois seguiu-se uma corrida de dingys entre corais. O nosso contra o dos brasileiros com quem vimos o jogo. A questão é que se o espaço entre corais já era pequeno para um dingy, o que seria quando dois dingys se tentam ultrapassar mutuamente. Assim foi até que depois de uma jogada suja em que nos desviaram com um remo, acabámos por encalhar em cima de um Recife. Depois de muita risada e manobras regressámos ao nosso percurso e despedimo-nos para retornar ao leito do nosso barco.
Que bem que sobe sentir novamente os pés em barco firme. J
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10º dia - 26 de Junho – Hollow Trees (não entrei) e Lancies Left
Já realizei o regresso e reencontro com a família de todas as formas. Desde me virem buscar ao aeroporto (o que é pouco provável dada a hora e o dia da semana). Desde chegar a casa e ir a correr à creche para ver as MMs. Depois fico a pensar a que sala irei primeiro de maneira a não deixar nenhuma das duas com inveja da outra. Normalmente vou buscar a Margarida primeiro e depois deixo que seja ela a guiar-me em busca da Madalena. Ela anda em passada larga e a dizer: “A Mé pai… a Mé!” E só fica descansada quando a tem consigo. Às vezes por brincadeira e para observar a sua reacção digo-lhe que vamos embora e ela responde logo irritada e de punhos serrados: “Não. Quero a Mé!” Claro que a festa que lhe faz ao vê-la dura apenas 2 ou 3 segundos, de imediato a Margarida ignora-a como se nunca quisesse saber dela. A Madalena fica muito contente com cada reencontro com a irmã e muito desiludida por a Margarida não lhe ligar tanto como ela queria. Muitas vezes chega a fazer chantagem dando à Margarida os brinquedos que ela lhe pede em troca de beijinhos. “Margarida, queres o Nenuco. Queres? Queres? Então dá um beijinho à Mé!”
Mas desta vez se fosse reencontrar-me com elas na creche iria buscar primeiro a Madalena. Nem queria que a Madalena pudesse imaginar (e os pensamentos dela são férteis e profundos) algo como ter estado primeiro com a Margarida em lugar dela. A Margarida como é mais nova provavelmente não iria ter um espírito tão criativo ao ponto de fazer qualquer comparação.
Assim definitivamente iria buscar a Madalena primeiro. E este reencontro também foi encenado na minha cabeça de todas as formas. Desde colocarmos as nossas mão lado a lado e contemplarmos o nosso sinal igual e dizermos um ao outro: “Nós somos iguais”. Desde abraçá-la apenas e sentir os seus bracinhos envolverem-me o pescoço. Desde vê-la a correr pelo pátio direita a mim com o seu sorriso rasgado e doce como só ela tem. E depois pegar-lhe ao colo e confortá-la muito no meu colo. Sentir a sua mão papuda a passar pelo rosto e pela minha pêra e dizer: “É fofinha pai, não vais cortar a pêra, pois não?”. E ficar ali a apreciar aquele momento como se fosse o primeiro, tal como no primeiro dia em que lhe peguei ao colo. Depois deixá-la repetir a história que lhe contei e que ela adora recitar vezes sem conta. “Pai, foi assim que me pegaste quando eu nasci, não foi? E depois o que é que me disseste?” e eu: ”Madalena, como te chamas?” e ela: ”E eu disse Madalena não foi? E tu disseste-me então vais ser Madalena!”. Ela volta a agarrar-se a mim e está-me a cair uma lágrima pelo rosto.
De seguida vamos buscar a Margarida e com ela tudo é inesperado. A Margarida é geniosa e cada vez que a vou buscar é uma completa incógnita qual será a reacção dela. Com muitas dúvidas de como vai ser imagino-a a olhar parada para mim e a pensar o que irá fazer, como quem diz: “Deixaste-me aqui tanto tempo, espera que agora vais ver.”. A Margarida é vingativa e sempre que saio de casa e não a levo, quando regresso fica a ignorar-me eternamente, desbloqueando apenas no momento em que vai para a cama e qualquer coisa lhe diz que tenho que ser eu a deitá-la e cantar-lhe o João Pestana. Por isso a minha expectativa era que ela tivesse um momento de desprezo total, seguido de um reflexo imediato de correr para o meu colo. Aí ela sabe bem recompensar dando uns grandes beijinhos como que ventosas que se colam à bochecha, fazendo vácuo e terminando com um enorme Bfhuaaaaaaa e cai-me outra lágrima.
O reencontro com a M maior seria o mais complicado de todos. Do género: “Enquanto andaste na boa vida tive eu que ficar aqui a aguentar tudo, escritura da casa, ver casas para alugar, tratar da mudança, tratar das miúdas, trabalhar, etc.” Sim é verdade. Tudo em nome de um objectivo que eu tinha que alcançar. Tinha deixado tudo preparado para que nada falhasse, do género checklist dos últimos documentos a tratar para a escritura. Mas claro que não era a mesma coisa que eu lá estar. Por isso embora estivesse ansioso pelo regresso não estava propriamente com a expectativa de que ia encontrar um jantar à luz velas à minha espera. Com isto estão-se novamente quase a passar 3 dias sem conseguir comunicar para Portugal.
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Hoje ainda não surfei. Deixámos Macarronis por volta das 8.30 para começar a fazer a viagem de regresso para norte. Entraram quase todos para a despedida, apesar de as ondas estarem com condições bem inferiores àquelas que apanhámos durante dois dias. Foram 2 dias épicos.
Chegámos a Hollow Trees por volta das 12:00. O mar não estava grande, para aí 1,5 m, mas bastante raso. Volta e meia via-se um surfista meio atrapalhado sobre a “cirurgiun table”. Entraram apenas 2 do nosso grupo e o resto ficou para almoçar. Por volta das 14:00 o vento rodou e o David com o seu faro de lobo do mar, imediatamente encaminhou o barco para Lancies Left, porque o vento sopraria de off-shore.
Quando lá chegámos não havia ninguém na água e o mar parecia bastante pequeno e até com má formação. O David parecia um cão a farejar de um lado para o outro escolhendo o ponto do barco que lhe permitisse ver o mar nas melhores condições. Franze a testa e exclama: “Te seguro que vão estar buenas olas!”. Apesar dele dizer isso, o aspecto do mar parecia dizer o contrário. E em 5 minutos o mar alisa e entram 2 sets enormes com uma formação super perfeita. Estava na hora de fazer a surfada deste dia, já que ainda não tinha entrado.
Não deu ondas para grandes tubos profundos, mas mesmo assim apanhei uma esquerda memorável de um tamanho bem a tocar os meus limites. Daquelas ondas que quando começamos a descer ela continua a levantar e não sabemos quando vai parar. Depois foi dropar e encostar com bastante força à parede para conseguir passar cada uma das secções que ia rebentando atrás de mim. Temi por várias vezes que fosse lá ficar fechado, mas consegui fazer a onda até ao fim. Depois desta já não me apeteceu voltar à fila para as ondas do set e fiquei cá por traz a apanhar as restantes ondas, que mesmo assim estavam com um tamanho considerável e permitiam fazer boas manobras.
E porque é que o tubo é a manobra mais difícil e ao mesmo tempo tão recompensadora? Depois de tanto escrever sobre tubos, tubular, entubar, etc podem perguntar mas porquê? E respondo apenas: por tudo. Se procurarem na net vão encontrar uma infinidade de excelentes descrições que tentam reproduzir a sensação de um tubo e nenhuma delas consegue realmente ser fiel a essa sensação, apesar de serem textos muito bem escritos.
Por isso vou apenas dizer porque é que é tão difícil. Aparentemente fazer um tubo é tão fácil como segurar no volante de uma viatura e deixá-la rolar livremente a velocidade cruzeiro em linha recta. Mas na realidade o que acontece é: 1º A prancha não vai a rolar livremente, 2º Segurar o volante corresponde a um jogo de perícia entre força, equilíbrio e tensão sobre a prancha, 3º O espaço envolvente é extremamente reduzido, apertado e sufocante, mesmo quando os tubos parecem autenticas cavernas, 4º A adrenalina eleva-se a patamares semelhantes aos de uma prova de automobilismo (como karts, ou andar a 240 de moto, que são os únicos que conheço). 5º A estrada que neste caso é uma onda, está-nos sempre a fugir a grande velocidade e nunca sabemos qual a próxima forma que vai tomar. 6º A qualquer momento pode cair sem aviso uma secção de onda que nos empurra com toda a determinação para o fundo do mar. 7º Devido ao ponto 6, temos que gerir bem o ar e durante toda onda temos que renovar lufadas de ar nos pulmões, para que na iminência do jogo terminar levemos algumas reservas connosco. 8º Se vamos ao fundo sem aviso, não sabemos quando regressamos. 9º O tapete de corais… outra vez.
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11º dia - 27 de Junho – Lancies Left e Bintang (não entrei)
Estou novamente cansado. Entrei em Lancies Left de manhã, mas não me apetece remar. Espero pelas ondas no momento em que estas estão mesmo quase a rebentar e só temos que dar um pequeno impulso para começar a dropar. Com esta brincadeira acabo por me deixar ficar muito para traz e levo com um set todo na cabeça. HaHAhaHA… é mesmo assim, é o risco que se tem de correr. Apanhei poucas ondas e saí para a refeição de meio da manhã. Não vale a pena cansar-me mais. Além disso as feridas deixadas pelos pés-de-pato estão-me a cavar covas na zona do tendão de Aquiles. E agora com a época balnear aí, estes buracos já não vão fechar até ao Inverno, pelo menos.
De tarde vi mais um filme. Ou melhor, revi o “Inglorius Bastards” - para mim o melhor filme de 2009. Os últimos anos têm sido pobres no género de filmes que eu gosto. Também porque desde que as filhotas nasceram tenho ido menos ao cinema que aquilo que costumava e logo a probabilidade de apanhar um bom filme também se reduz bastante. Por isso, esta última obra do Tarantino foi uma rajada de ar fresco que sabe bem rever.
Não falo com a Mafalda há 4 dias e pelo plano da viagem que vamos seguir não vou ter cobertura de rede até chegar a Padang, que será só depois de amanhã, o que somará 6 dias incontactáveis. Não pode ser. Como é que eu vou resolver isto? De maneira nenhuma. À volta só vislumbramos enormes extensões de ilhas cobertas de uma densa floresta e sem qualquer sinal de civilização. Quando nos deslocamos para uma nova onda, vou para o cimo do barco com o telemóvel na mão na esperança de apanhar uma réstia de cobertura que se tenha perdido numa corrente de ar. Tenho o SMS já escrito para que seja enviado de imediato assim que consiga o mínimo de sinal. Mas nada. Carrego vezes sem conta na “Busca de rede” e nada. A viagem termina. Chegámos a mais uma onda, aproxima-se o fim do dia e não vou conseguir falar com a Mafalda. Sinto-me desmoralizado. Como que derrotado por algo que nunca poderia vencer.
Resta-me a minha última cartada. Tinha reparado no género de um telefone fixo na cabine do capitão com o qual me pareceu ver o David a comunicar para Espanha. No jantar ouvi também uma troca de palavras em Castelhano sobre comunicação via satélite. Por isso não tinha outra opção. Quando eram 15.30 (9.30 em Portugal) perguntei inocentemente ao David: “David, tienes telefono via satélite?” ele respondeu-me que sim e eu chutei de recarga “Quanto custa para eu telefonar para Portugal?”. 100.000 Rps por minuto ou 9 euros. “Venga”. Foram os 54 euros mais bem gastos da viagem.
Ouvia-se mal, mas dava para falar. Tinha que se dar aquele compasso de espera antes de fazer outra pergunta para garantir que a resposta tinha sido totalmente recebida. Com a Madalena foi mais complicado falar porque ela vai sempre atropelando a conversa com perguntas e histórias que tem para contar. A conversa com a Madalena tem sempre um padrão de início e de fim. Começa com: “Pai, onde estás? E o Luís? E o Pedro?” Ao que vou respondendo sequencialmente “Estou no barco. O Luis está a dormir. O Pedro está a apanhar ondas no mar.” Depois segue-se uma série de episódios que começam sempre com: “Pai! Sabes? <episódio>”. Os episódios vão desde: “a minha mana aleijou-se mesmo à séria”, “a avó inho hoje deu-me um lanche.”, “a mãe deu-me sugos e eu guardei um para ti.” Pelo meio do telefonema ainda há uma troca de telefone com a Margarida e eu não consigo perceber quase nada, mas vejo a imagem na minha cabeça tal como a Margarida faz sempre que quer falar ao telefone e de imediato passa-o à irmã dizendo: “Mé, toma é o <alguém>”. O telefone volta à Madalena e a chamada vai terminar com o habitual: “Pai, tens que desligar?” e estas palavras partem, despedaçam e desfazem-me o coração. O telefone volta à Mafalda para um último adeus e um voto de esperança do “Já falta pouco! 4ª Feira já estou aí!”. Queria falar mais, mas não posso. Queria voltar já, mas não posso. Desligo o telefono, termina o contacto e resta-me aguardar até ao próximo encontro.
De tarde deram umas boas ondas na Bintang, mas como o swell escasseia os melhores picos ficam imediatamente lotados. O Pedro entrou e fez uns bons tubos. Eu já não tenho pachorra e fico no barco a actualizar o meu diário de bordo.
A surfada do Pedro acaba com um desaguisado com um brasileiro dono de um outro barco que levava 3 surfistas profissionais (femininas). Uma delas ficou fechada numa onda que o Pedro apanhou de imediato, ficando a dúvida se o Pedro a tinha dropinado, ou não? Nestes cenários normalmente quem é dropinado chama a atenção do outro que por sua vez retorna com desculpas e nas ondas seguintes retribui com a cedência de uma onda em que teria prioridade sobre o primeiro. Mas este não é um desporto de cavalheiros e as desculpas do Pedro não foram bem aceites pelo brasileiro, que continuou com ameaças verbais e a agitar a água. Aqui à que prevalecer a inteligência e pensar que não estamos cá para disputar nenhum troféu, mas apenas concretizar um sonho que ao fim de 11 dias já foi mais que atingido. Assim o desprezo foi a melhor resposta que o Pedro podia ter dado, regressando ao barco.
O jantar foi frango de caril e depois houve sessão cinematográfica: “The blind side”.
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12º dia - 28 de Junho – Bintang
Último dia. O mar mais pequeno de toda a viagem. Já estava mais que na altura de voltarmos, mas não dá. Claro que se tivéssemos apanhado uns dias sem ondas, agora estes últimos dias seriam esmiuçados até ao fim. Mas não foi o caso. Tivemos sempre boas ondas e agora que neste último dia não há quase ondas dá-nos a sensação de não estarmos aqui a fazer nada. Uma espera demorada para um regresso tão desejado.
De manhã estive a fazer snorklimg. Quase que acabava a viagem sem explorar o fundo do mar. Este não era o melhor sítio para o mergulho, mas os corais aqui são bastantes vivos (ao contrário de outros sítios como as Maldivas) o que mesmo nas piores condições oferece sempre uns cenários multi-coloridos.
De tarde preparava-me para a última surfada. Por sua vez o mar estava cada vez mais pequeno e quase que impossibilitava a despedida. Mas de repente a ondulação voltou-se a formar e a proporcionar alguns tubinhos. Por isso nem hesitei, peguei na prancha e juntei-me ao Pedro e ao Luís que já andavam para lá a desbravar. Foi uma sessão muito animada e tranquila. A chuvada que caiu acabou por afugentar os últimos resistentes, deixando as ondas apenas para o pessoal do nosso grupo. O mar continuou a oferecer boas condições e permitiu-nos ter uma despedida ao nível da viagem. E com um último tubo assim me despedi.
Há alguma coisa pior que uma viagem de 12 horas de avião? Sim, há – uma viagem de barco de Padang para as Mentawai. E há alguma coisa pior que isso? Sim, há – a viagem de regresso a Padang. 10 horas de terror e pesadelo completo. Agora o SPLASH da água no casco até passava despercebido, parecendo música aos meus ouvidos. Cada vez que passávamos uma onda, levitava da cama e era cuspido contra o colchão. Como se tivesse a ser projectado por um golpe de judo contra o tapete. PADAMMMMMmmmm…… Deitei-me ainda não eram 8 da noite, para não ficar mareado pelo mar (dizem eles que é a melhor opção) e estive assim até à meia-noite sem pregar olho. A essa hora decidi-me a ir à casa-de-banho, porque já não conseguia mais aguentar. A travessia do corredor, sala e porão do barco foi uma aventura. Já dentro da casa de banho foi outra façanha. Felizmente escolhi a mais pequena reduzindo a margem de vaivém entre as paredes. Depois ainda houve o regresso à cama que foi outro desespero, como que caminhando no deserto sem forças e os últimos passos consomem-nos as últimas energias para atingirmos a água que nos salva a vida. Aqui a água era a minha cama.
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13º dia - 29 de Junho – Padang, Kuala Lumpur
Acordei por volta das 5 am. Tinha sono e sabia-me bem estar na cama, como sempre e normalmente só me levantava às 7 am. O mar já estava bem tranquilo e o barco rumava serenamente.
Quando me levantei e olhei pela janela a paisagem era um esplendor. Montes verdes, recortados por reentrâncias de mar em tons de azul e verde como só no Índico encontramos. Depois entramos no rio que dá acesso ao porto de Padang e as cores dos barcos de pesca misturada com as tonalidades da favela recria uma panóplia de cores imensa.
Tomei o pequeno-almoço ancorado no porto de Padang, cansadíssimo da exaustiva viagem de alto mar que tínhamos tido (eram 7 am). Começamos então a discutir qual o plano de ida para o aeroporto já que o avião para KL era só às 15.30. As opções seriam ficar num hotel até ao 12:30 ou ir directamente dali para o aeroporto. Como os hotéis em Padang estavam todos lotados acabámos por estender até às 9.30 a estadia no barco e então partimos directamente para o aeroporto.
Foi mais uma estonteante viagem em que as faixas de rodagem ora multiplicam-se, ora aniquilam-se consoante a intensidade de tráfego seja maior num sentido ou noutro. Imagino que na nossa 2ª circular estes tipos conseguiriam recriar um mínimo de 5 faixas para cada lado.
O aeroporto de Padang é o típico aeroporto de uma ilha tropical, ou seja sem nada. E assim foi a nossa espera de 5 horas até partir – sem fazer nada. O pior foi que também não havia nada para almoçar e assim se iniciava uma longa e penosa jornada de jejum.
Apesar da escassez de recursos neste aeroporto havia WiFi e aproveitei para actualizar o meu estado no Facebook, com mais uma foto.
Além dos 25 dólares de visto que pagámos para entrar na Indonésia, agora tivemos que pagar mais 100.000 Rps (~10 euros) para sair.
Já a atravessar a Alfandega o Luís repara que tinha perdido a outra parte daquele papelinho que preenchemos no avião e que temos que devolver à saída do país. Imaginámos logo que haveria problemas com isso e primeiro passei eu experimentando não dar o tal papel ao funcionário para avaliar a reacção. Claro que de imediato ele me pediu esse papel.
Chega a vez do Luís que explica ao senhor a situação. Foi então levado para uma sala onde ficou a sós com o funcionário da Alfandega. O funcionário traz um novo papel na mão e com um ar bastante autoritário começa a descrever ao Luís um cenário pouco agradável: “Você sabe que este papel é imprescindível para sair do país”. Ao que o Luís acenava afirmativamente. Depois do funcionário colocar mais umas achas na fogueira, lá chega à frase: “Agora não sei como é que resolvemos esta situação?”. O Luís responde: “Preciso de pagar alguma coisa?” ao que retorna afirmativamente e o Luís pergunta quanto. O funcionário hesita, pensando num valor, como que meio desprevenido porque talvez não pensasse que o Luís chegasse tão rápido ao ponto fundamental do problema e chuta com: “Hummm…. 100.000 Rs!?”. O Luís tira uma nota de 10 euros do bolso e pergunta se pode pagar assim. De imediato o funcionário guarda a nota e dá então o novo papel para o Luís preencher.
A partir daqui enquanto o Luís preenchia o tal documento, o funcionário mudou totalmente de postura e formou-se uma animada cavaqueira em torno do campeonato do mundo, da selecção portuguesa e claro, do CR (aliás, este foi tema constante de todos os balcões de aeroporto da Indonésia e Malásia).
Como o voo era Low Cost também não comemos nada durante a viagem. Quando chegámos ao aeroporto LCCT de Kuala Lumpur (aeroporto para lows costs) estava desvairado de fome. Até já me sentia meio tonto. Tinha tomado o pequeno-almoço às 7 am e normalmente almoçávamos às 12:00. Já eram 16:30 e ainda não tinha almoçado, tendo apenas comido uma maça, uns chocolates e uns amendoins.
Ainda tentei demover a nossa comitiva (agora de apenas 8, já que o Charlie e o Marcelo tinha ido via Jakarta) para comermos logo no aeroporto de LCCT, mas todos preferiram rumar primeiro para o aeroporto de LKI (a cerca de 20 Kms) e lá depois de fazermos o check-in, então jantar calmamente. Assim foi, depois de uma viagem de autocarro e de muito andarmos pelos aeroportos, às 20:00 estava finalmente a comer um Mc Tastin no Mc Donalds
Partimos aproximadamente às 23:40. Desta vez vamos ligeiramente mais bem instalados do que na vinda. Estamos numa zona calma do avião e não está o fedor a malaico com que levámos na viagem de vinda.
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14º dia - 30 de Junho – Amesterdão - Lisboa
São 7 am da Indonésia, 1 am de Portugal e já não consigo dormir mais. Não porque não quisesse, mas porque já não consigo. Tenho o corpo completamente deformado, ou talvez mais, enformado pelas horríveis cadeiras deste avião da KLM.
A viagem está a chegar ao fim e para já parece-me que o saldo foi positivo. Foi uma experiência única com desafios em todos os sentidos. Durante estes 15 dias desliguei completamente do trabalho e envolvi-me num modelo de vida com qual não me identifico, mas que marcou definitivamente uma pequena etapa da minha vida. Saio daqui enriquecido e com a sensação de ter feito de um reboot.
Nestes 15 dias as minhas maiores preocupações e decisões eram: “Tomo já um pequeno-almoço farto ou como agora menos e quando sair da água como melhor?” “Como só uns cereais e uma fruta ou como já uma omeleta?” “Durmo já uma sesta a meio da manhã ou durmo só a sesta depois de almoço?” “Vou lanchar uma tosta-mista ou apenas umas bolachinhas porque daqui a nada servem o jantar?” “Será melhor tomar banho cá fora ou na casa-de-banho?” “Vou fazer a barba dia sim, dia não ou faço só de dois, em dois dias?” “Vou fazer mais uma onda, ou vou sair já da água?” “Entro já nesta sessão ou espero pela segunda da manhã?”.
O pior é que muitas vezes era capaz de me entreter uns longos minutos a ponderar os pós e os contras de cada opção. No final como aquilo que estava em decisão eram coisas banais, acabava por não haver uma opção que pesasse mais que outra e assim escolhia uma ao calhas. Mas mesmo isso era difícil.
Nos últimos dias de viagem com medo de começar a ficar estúpido, recitava na minha cabeça particularidades do modelo de memória do Java, máquina virtual Mono, entre outras coisas. Em poucos minutos percebia que ainda me lembrava desses temas e então voltava para as minhas introspecções.
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14º dia - 30 de Junho – Lisboa
A Mafalda foi-me buscar ao aeroporto, tinha o jantar de velas à minha espera e o resto já não vos conto. O reencontro com as MMs mais pequenas também foi muito recompensador.
Os meus objectivos foram concretizados e compreendidos. Estou novamente com Ms a 100%.