Mentawai surf trip

July 1, 2010

1º dia - 17 de Junho – Padang

Chegados a Padang reunimos metade do grupo no aeroporto enquanto esperávamos na fila para aquisição do visto. Ficamos aí a conhecer um grupo de 3 espanhóis que ia no mesmo barco que nós: Inigo, Coldo e Hector (os dois primeiros são nomes bascos). Conhecemos o 7º elemento, o Miguel, que vinha sozinho ter com o irmão.

Do aeroporto seguimos para um Hotel onde nos iríamos reunir com o resto do grupo: o Charlie (que já estava em Padang), o Marcos (irmão do Miguel) e o Marcelo (um brasileiro de São Paulo).

Jantámos no Hotel e partimos às 8.30 para o barco para finalmente viajar rumo às Mentawai

2º dia - 18 de Junho – Hideaway’s, Kandui, E-Bay

Levantámo-nos às 6.30 e a envolvente parece um filme: Ilhotas e ondas a quebrar por todo o lado. Mas a quebrar com boa formação. Ainda andava meio atarantado pelo barco, sem saber bem o que fazer e já estão dois surfistas do grupo – Charlie e Hector – a saltar para a água. Depeniquei apenas umas frutas para não ficar muito cheio e quase que fui telecomandado para a água sem ter muita consciência do mar que iria enfrentar. Entrar numa nova onda deixa-nos sempre um nervoso no estômago. A mesma sensação de quando temos que fazer um seminário ou uma apresentação qualquer. Era assim que eu me sentia. 

O mar não parecia nada grande e apresentava-se bastante perfeito. O primeiro contacto com a água é estranho porque é semelhante ao de um banho de imersão. São 6.40 da manhã, está um lusco-fusco e o sol não se levantou completamente. Pela envolvente penso que a água não deverá estar muito quente, mas engano-me redondamente. Até está quente demais. Uma água mais fresquinha ia ajudar a acordar-me.

Começa a remada em direcção ao pico, a profundidade diminui deixando transparecer o fundo e vislumbram-se os primeiros corais. Gluc… Esta é sempre uma preocupação quando surfamos em fundos de recife – evitar os corais. O mínimo contacto deixa-nos uma ferida. Com um impacto maior, além da ferida temos direito a uma cicatriz de recordação. 

1º Hideaway’s – Fiz 3 ondas e o coração palpitou sempre muito forte. Na 1ª foi entrar e fugir. Na 2ª encostei e senti-a passar-me por cima de metade do meu corpo. Na 3ª fiz uma boa linha de onda e limitei-me a ir fugindo ao tubo.

2º Kandui – Fiz 5 ondas. Aqui a onda era bem mais forte. Algumas com 3 metros e houve show da equipa de profissionais de bodyboard portugueses (estavam a fazer uma viagem parecida à nossa num outro barco). Na 1ª onda ainda habituado ao ritmo da onda anterior apanhei uma por engano e mandei logo um bom tubo. Depois disso as outras 4 que se seguiram já foram de nível bem inferior. O crowd já estava próximo do impossível.

3ª E-Bay – Uma onda bem mais suave e haviam muito poucas ondas para a quantidade de surfistas a querer apanhá-las. Mais confiante tentei entubar várias vezes sem sucesso, acabando por ficar sempre lá de baixo. A onda era bem engraçada com 3 secções: uma primeira no pico, uma segunda a meio e uma terceira antes de entrar no inside bem rasa. Sempre que tentei passar a 2ª secção… catapum… ficava lá de baixo. Cada vez mais confiante e irritado por não conseguir, até que levei com uma bem assente que até me saltou o pé de pato (bendito shop de pé-de-pato... passado tantos anos foi a 1ª vez que deu jeito). Bem… acalmei-me e decidi ir-me embora e por isso cheguei-me mais para o inside, para iniciar uma onda logo na 2ª secção. Lá entrou uma com metrão e eu lancei-me com toda a garra na 2ª secção passando num tubo suave. Como queria sair de água continuei para a 3ª secção e arrisquei mais um tubo do qual também saí com sucesso. Este já bem mais profundo e com bastante adrenalina, mas quando saí o fundo já estava bem raso e já se viam alguns corais a fazer borbulhar a superfície da água. A parede também estava bem cavada e não facilitava a saída. Enquanto decidia o que fazer, acabei por ser envolvido por mais um tubo e mais um e voltei a sair com muita sorte e agora que a onda já estava mais pequena terminei já a sentir os corais a roçar nos pés. Que melhor forma de terminar o 1º dia de ondas.

3º dia - 19 de Junho – Rifles, John Candy’s (A-Frame)

Rifles é uma das ondas mais poderosas e famosas das Mentwai e como não podia deixar de ser o crowd abundava. Para ajudar à festa era a primeira vez da época que esta onda estava a funcionar em condições, contribuindo para que se amontoassem ainda mais surfistas do que aquilo que já é habitual. De tal forma que o grupo de portugueses pro’s acabou por dar de debandada depois de alguns desaguisados.

O dia de ontem tinha sido um dia bem equilibrado e acabado da melhor forma. Além disso lembrava-me que a primeira surfada tinha sido bem stressante, quase meio enjoada pela noite mal dormida e por isso não me estava a apetecer repetir a dose. Assim optei por ficar no barco a tomar o pequeno-almoço calmamente e dormir mais uma sesta.

Depois limitei-me a relaxar no porão do barco a observar as ondas e o esplendor da paisagem que me rodeava. Às vezes deixamo-nos levar pelo stress da busca das ondas e nem damos o verdadeiro valor ao paraíso que nos rodeia. Uma verdadeira obra da natureza que felizmente ainda se mantém quase em bruto. O mais próximo que vi disto foi na Phi-Phi island na Tailândia e mesmo assim não se compara a isto.

O Charlie como é habitual foi o primeiro a saltar para a água e o último a sair. Entrou ainda não eram 6.30 e saiu às 14:00. Os restantes fizeram duas sessões, repartidas com o pequeno-almoço por volta das 10.30. No final da primeira sessão todos se queixaram do imenso crowd e de ser quase impossível apanhar qualquer onda. Ainda por cima havia 5 hawaianos que estavam a dropinar toda a gente, tornando quase impraticável surfar.

Para a 2ª sessão as coisas vistas de fora aparentavam estar mais calmas e decidi-me aventurar a Rifles até porque este é um pico mítico que deve ficar no curriculum.

As coisas estavam realmente complicadas e os hawaianos deixavam um enorme mau estar na água. Pelo menos para mim. A onda é muito boa, com uma força monstruosa e um tubo fenomenal. Fiz 3 ondas razoáveis e acabei por sair e voltar ao “dingy” a remo sem qualquer onda porque já estava mesmo irritadíssimo de estar tanto tempo sem apanhar nada.

À tarde surfei A-Frame, ou John Candy como também é conhecida. A surfada mais relaxada até ao momento. Que grandes ondas e que grande acalmia. Nada de stresses para apanhar ondas. Fiz as ondas que quis e não quis. Uma onda com um drop excelente, bom tamanho e uma boa massa de água. Depois enchia um bocado e não estava a dar grande tubo. Mas dava para manobrar bastante e curti que nem um leão.

4º dia - 20 de Junho – Bank Vaults, Ni Pussy (só entrei nesta) e Scar Crows 

Acordei bastante cansado. Devo estar a chegar aos limites da minha capacidade física. Voltei a optar por não entrar de imediato. Tomei o pequeno-almoço farto e só pelas 10.30 fui para a água.

O Pedro e o Luís foram logo na primeira sessão para Bank Vaults. Uma onda bem pesada e mais complicada do que Riffles porque a maioria delas fechavam. O Charlie na primeira onda partiu a prancha. O Marcelo partiu o shop e teve que ir buscá-la a uma ilhota rodeada de corais. Passou um mau bocado e chegou a pensar que não ia sair de lá inteiro. No final safou-se e só dizia: “Foi deus. Foi deus.”

Acabei por entrar na 2ª sessão da manhã em Ni Pussy com o Coldo, o Miguel e o Marcelo. Chegámos a estar 5 minutos sozinhos, mas rapidamente chegou um grupo de australianos e acabámos por estar uns 14 dentro de água.

A onda é uma direita com um pico principal onde se formam uns sets de 1,5 m e depois tem um outro pico incerto mais à esquerda onde entram uns sets pirata de 2 metros. O primeiro set pirata apanhou-nos a todos desprevenidos e fomos varridos. O Coldo que liderava as hostes e já conhecia o pico começou-nos a encaminhar para o centro, mas a mim não me estava a apetecer levar com aqueles sets pirata de 5 em 5 minutos e por isso optei por ficar sozinho naquele pico do lado esquerdo. Tinha que esperar mais tempo pelas ondas, mas estava super tranquilo que é aquilo que mais gosto na água. A paisagem em redor também era fabulosa. Ao contrário do que é costume tínhamos uma ilha de postal à nossa frente, no sítio onde a onda acabava.

A onda era bem grossa, com muita água e um drop muito alto, mas depois amolecia bastante. Parecia a onda típica da nossa Ribeira de Ilhas, mas com uma paisagem de filme em redor e água bem mais quente. Apanhei umas boas ondas com uns drops bem verticais e aos saltos por causa do vento. De uma das vezes ia colidindo com um surfista que vinha em sentido contrário a passar a rebentação. Ele ainda fez o bico de pato, mas tinha um shop muito comprido que ficou para traz e fez de chicote acertando-me com violência no pescoço, deixando-me a primeira marca desta viagem. Apesar disso continuei a surfar calmamente no meu local e a fazer algumas boas ondas descontraidamente.

De tarde não surfei. Sinto-me exausto. A parte mais chata de não ter surfado foi ter que responder 10 vezes à pergunta: “Mas não surfas? Estás doente?”. Aparentemente, não me parece nada estúpido não surfar umas horas, tendo em conta que surfamos uma média de 6 horas por dia e que ainda aqui vamos estar aqui mais 9 dias. Mas a opinião não é unânime. Para todos isto são ondas únicas que não se encontram em nenhuma parte do planeta e cada onda é uma onda que tem que ser aproveitada e não pode ser desperdiçada. Logo para eles a minha opção de não surfar uma das 36 oportunidades que temos é no mínimo estúpida.

5º dia - 21 de Junho – Hollow Trees, Lancies Left e Cobra

Quando o Pedro me acordou às 6.30 eu estava ferradíssimo a dormir. Bateu-me no braço e disse: “Vem só aqui espreitar à janela esta paisagem!”. Até me levantei meio desorientado e o cenário era mesmo fora de série. Ao contrário do que é normal, o nosso barco estava atracado mesmo de frente para a rebentação da onda, deixando a boca do tubo à mercê dos nossos olhos. Sentia-me completamente ensonado e perro e voltei a deitar-me na cama. Claro que já não consegui adormecer, mas estava-me a saber bem estar ali enrolado nos lençóis e por isso deixei-me ficar. Nessa noite tinha baixado a temperatura do quarto para muito frio e enrolei-me no cobertor que me soube muito bem (o Luís e o Pedro é que não acharam piada nenhuma e acordaram meio congelados)

Fui-me levantando muito calmamente e arranjei-me para ir surfar Hollow Trees. Esta onda também é um clássico das Mentawai. Em tamanho grande torna-se medonha. Mas desta vez e para meu agrado estava um tamanho bem acessível entre 1 e 1,5 m. A outra particularidade desta onda é terminar numa parte que lhe chamam a “surgery table” – um tapete de corais bem raso – que obriga a que não haja espaço a distracções e se saia da onda antes de aqui chegar.

As três primeiras ondas correram mesmo bem e mandei dois tubinhos. Na 4ª onda fui fechado e tive que contornar a onda por fora acabando por ser enrolado na espuma e levado para a mesa de cirurgia. Assim aqui trago a minha primeira tatuagem “made in Mentawai”. De resto foi uma surfada mesmo à Miguel, super tranquila, sem crowd, a rondar o 1,5 m e com um mar tubular.

A parte pior foi o tratamento da ferida de coral que consiste em 3 partes: 1º lavar com sabão, 2º esfregar com lima, 3º passar betadine. “Ardeu pá caral…”. Hirra que já há algum tempo que não me lembrava do sabor do ardor de um ferimento. O do coral tem ainda a característica de deixar a cicatriz marcada para sempre. Aqui levo o meu primeiro “recuerdo”.

Daqui fomos para Lancies Left. O swell continua a descer e as ondas não abundam, fazendo com que não se façam muitas ondas quando o crowd é maior. Foi o caso de Lancies Left e por isso optei por ficar no barco na 2ª sessão da manhã.

Acabei por entrar da parte da tarde por volta das 15:00. Que ardor ao por o braço dentro da água salgada. Ainda por cima um dos cortes é na zona do cotovelo, o que não dá jeitinho nenhum para manobrar sobre um bodyboard.

Nesta altura formavam-se dois picos de esquerda afastados de cerca de 100 metros – Lancies Left e Cobra. O primeiro era uma onda mais cheia e mole. O segundo era cavado e rebentava com muito pouca água. Como no primeiro as ondas demoravam muito tempo a vir acabei por ir mais o Pedro para o segundo pico, onde mandámos uns bons tubos. Nalguns chegávamos a ver a água a borbulhar debaixo de nós de tão raso que estava. A dada altura ficámos só os dois sozinhos nesse pico e a coisa já estava a ficar mesmo agreste, até que optámos por voltar novamente ao pico principal de Lancies Left antes que alguém se aleijasse. Já chega de corais por hoje.

6º dia - 22 de Junho – Lancies Left e Bintang

Este é o dia mais pequeno de toda a viagem. Dificilmente se vê arrancar um set com boa formação. Andámos a engonhar um bocado de manhã até decidir o que fazer. Estávamos atracados ao largo de Lancies Left, mas antes de entrarmos aqui ainda fomos espreitar uma outra onda – Bintang. Pareceu-nos demasiado pequena e optámos por regressar a Lancies Left, onde acabámos por surfar.

Pouco rendeu. Além de pequeno, estava bastante raso o que não deixava margem para grandes manobras.

7º dia - 23 de Junho – Hollow Trees (ninguém entrou), Roxie e Green Bush

O mar e o tempo hoje estão como o meu espírito – cinzento. Voltámos a passar em Hollow Trees, mas o aspecto do mar não estava nada convidativo a entrar. Por isso arrancámos para Green Bush – uma viagem de 2 horas. Este era o início de um dia cheio de viagens de barco. Fazia lembrar aqueles dias em Portugal em que vamos surfar para um local e a direcção do vento ou do swell não é a melhor e depois passamos o dia todo em busca de um sitio melhor, para chegarmos ao final e acabarmos por não surfar em nenhum lugar. Foi quase assim.

Em Green-Bush o vento não estava nada bom e por isso fomos para Roxie que fica a mais 1 hora de viagem de barco. O pior é que hoje o mar estava super picado e o barco saltava imenso nas ondas.

Chegados a Roxie o mar estava pequeno, as ondas moles e com má formação. Entraram quase todos e eu optei por ficar no barco deitado a descansar. Preparava-me assim para o 1º dia sem surfar nesta viagem. Às 16:00 o vento voltou a rodar e o David decidiu que devíamos ir para Green Bush apanhar umas ondas de fim de dia. Mais 1 hora de viagem.

Aqui chegado já estava tão mareado que optei por entrar a ver se me passava um pouco o enjoo. Tínhamos apenas 30 minutos para explorar esta onda antes que o sol se pusesse.

8º dia - 24 de Junho – Macarronis

Mais um pico mediático e um crowd de morte. Aqui só podem estar ancorados dois barcos de cada vez. É necessário fazer a reserva e pagar uma taxa prévia. No entanto quando cá chegámos estavam 5 barcos e 30 surfistas na água. Assim ficámos a aguardar que chegassem as autoridades e mandassem alguns surfistas embora, para que conseguíssemos surfar.

Quando entrei na água estava uma equipa de miúdas profissionais de surf que apanhavam todas as ondas e estavam sempre a dar a volta ao pico. Era quase impossível apanhar ondas. A minha paciência para estes filmes está mesmo nos limites. Tudo o que há de mal neste desporto está-se agora a revelar ao mais alto nível. Nestas alturas penso que quando chegar a Portugal me desfaço do material e nunca mais volto a apanhar ondas.

Irritado mudei de postura e também vesti a faceta desprezível de não respeitar prioridades. Assim remei bem para dentro ultrapassando todos e apanhei uma boa onda. Mandei uma chapeleta e um belly no final. Voltei ao pico e ultrapassei novamente toda a gente ouvindo então o comentário irónico do Pedro: “Já estás a aprender como é…” Estava-me assim a tornar naquele espírito reles que mais odeio e critico neste desporto.

Tive que esperar mais uns 30 minutos até entrar um set em que conseguisse apanhar outra onda. Agora apanhei uma bem grande e redonda. À medida que dropava, a onda começou de imediato a envolver-me e a sua borda cristalina reflectia o azul do céu. Olhando para ela deixei-me cobrir por um tubo bem oco e seco: YAAAAAAAAAAAAAAAAaaaaaaaaaaaaa…. Já estava o meu melhor tubo da viagem. Felicidade pura. A manobra mais difícil e mais recompensadora que há.

Voltei para uma 3ª onda. Tive que repetir o mesmo número de me chegar bem para dentro para conseguir apanhar mais uma. A 3ª era novamente grande, mas agora já estava muito para dentro e era difícil conseguir sair do tubo. Arranquei bem, encaixei ainda melhor, mas rapidamente a onda ultrapassou-me e logo na 1ª secção levei com o lip no corpo sendo atirado para o fundo, bem para cima do tapete de corais. Senti as garras de um coral a estripassarem-me o lombo das contas, bem fundo e bem prolongado. Meu rico short de alças que me valeu mais uma vez. O neopren de 3 mm foi suficiente para que o coral não se espetasse nas costas, ficando apenas com um vermelhão superficial.

Agora começa a chegar aquela altura em que só entro na água apenas porque não tenho mais nada para fazer e ficar no barco é bem pior. Ao fim de muito tempo aqui fechados acabamos por ficar mareados e enquanto vamos ao mar e voltamos, ficamos novamente com a alma renovada.

Na surfada da parte da tarde fiz mais dois bons tubos e um terceiro que apesar de bom fiquei fechado (desta vez sem tocar no coral), decidi então voltar ao barco. Nesta altura estava bastante gente a entrar de outros barcos e o mar estava-se a tornar insuportável. Já a subir para o barco, olho para o barco ao lado e reparo que um surfista estava entrar com a cabeça completamente ligada. Tipo jogador de futebol que depois de chocar com outro e rachar a cabeça é completamente envolvido por uma fita branca que lhe tapa tudo até à testa.

Começo então a achar que se calhar os meus objectivos a partir daqui têm que mudar um pouco. Se batesse de cabeça no coral com a mesma violência com que bati com as costas naquele dia, poderia ficar em mal estado. Já levava uma lembrança no braço de Hallow Trees e se calhar já bastava. O objectivo número um está concretizado, por isso vamos passar ao objectivo número dois que é voltar intacto.

9º dia - 25 de Junho – Macarronis

Na sessão da manhã senti-me muito bem fisicamente. Fiz ondas bem comprimidas e bons 360, apesar de cada vez que fazia um ter que aguentar o ardor do corte que tenho no braço a raspar sobre a prancha. Mas como se diz na gíria: “quem corre por gosto não cansa”. Surfei umas duas horas e depois regressei ao barco para a minha habitual refeição de meio da manhã: “uma tosta de queijo e um sumo de maça.”

Da parte da tarde vi mais um filme: “In the Valley of Elay”. Era um daqueles filmes que queria imenso ver na altura que estreou no cinema e que tal como muitos outros não tive oportunidade. Vi-o depois de almoço e fiz um intervalo entre as 15:00 e as 17:00 em que fui novamente surfar.

A surfada foi uma sessão de tubos fechados. Depois de surfarmos várias vezes a mesma onda sentimo-nos mais à vontade e começamos a arriscar um pouco mais. Assim foi, com tubos bem profundos, mas em nenhum consegui sair. Das vezes em que conseguia sair, também não entubava e limitava-me a manobrar. Foi uma surfada divertida e tranquila.

10º dia - 26 de Junho – Hollow Trees (não entrei) e Lancies Left

Hoje ainda não surfei. Deixámos Macarronis por volta das 8.30 para começar a fazer a viagem de regresso para norte. Entraram quase todos para a despedida, apesar de as ondas estarem com condições bem inferiores àquelas que apanhámos durante dois dias. Foram 2 dias épicos.

Chegámos  a Hollow Trees por volta das 12:00. O mar não estava grande, para aí 1,5 m, mas bastante raso. Volta e meia via-se um surfista meio atrapalhado sobre a “cirurgiun table”. Entraram apenas 2 do nosso grupo e o resto ficou para almoçar. Por volta das 14:00 o vento rodou e o David com o seu faro de lobo do mar, imediatamente encaminhou o barco para Lancies Left, porque o vento sopraria de off-shore.

Quando lá chegámos não havia ninguém na água e o mar parecia bastante pequeno e até com má formação. O David parecia um cão a farejar de um lado para o outro escolhendo o ponto do barco que lhe permitisse ver o mar nas melhores condições. Franze a testa e exclama: “Te seguro que vão estar buenas olas!”. Apesar dele dizer isso, o aspecto do mar parecia dizer o contrário. E em 5 minutos o mar alisa e entram 2 sets enormes com uma formação super perfeita. Estava na hora de fazer a surfada deste dia, já que ainda não tinha entrado.

Não deu ondas para grandes tubos profundos, mas mesmo assim apanhei uma esquerda memorável de um tamanho bem a tocar os meus limites. Daquelas ondas que quando começamos a descer ela continua a levantar e não sabemos quando vai parar. Depois foi dropar e encostar com bastante força à parede para conseguir passar cada uma das secções que ia rebentando atrás de mim. Temi por várias vezes que fosse lá ficar fechado, mas consegui fazer a onda até ao fim. Depois desta já não me apeteceu voltar à fila para as ondas do set e fiquei cá por traz a apanhar as restantes ondas, que mesmo assim estavam com um tamanho considerável e permitiam fazer boas manobras.

E porque é que o tubo é a manobra mais difícil e ao mesmo tempo tão recompensadora? Depois de tanto escrever sobre tubos, tubular, entubar, etc podem perguntar mas porquê? E respondo apenas: por tudo. Se procurarem na net vão encontrar uma infinidade de excelentes descrições que tentam reproduzir a sensação de um tubo e nenhuma delas consegue realmente ser fiel a essa sensação, apesar de serem textos muito bem escritos.

Por isso vou apenas dizer porque é que é tão difícil. Aparentemente fazer um tubo é tão fácil como segurar no volante de uma viatura e deixá-la rolar livremente a velocidade cruzeiro em linha recta. Mas na realidade o que acontece é: 1º A prancha não vai a rolar livremente, 2º Segurar o volante corresponde a um jogo de perícia entre força, equilíbrio e tensão sobre a prancha, 3º O espaço envolvente é extremamente reduzido, apertado e sufocante, mesmo quando os tubos parecem autenticas cavernas, 4º A adrenalina eleva-se a patamares semelhantes aos de uma prova de automobilismo (como karts, ou andar a 240 de moto, que são os únicos que conheço). 5º A estrada que neste caso é uma onda, está-nos sempre a fugir a grande velocidade e nunca sabemos qual a próxima forma que vai tomar. 6º A qualquer momento pode cair sem aviso uma secção de onda que nos empurra com toda a determinação para o fundo do mar. 7º Devido ao ponto 6, temos que gerir bem o ar e durante toda onda temos que renovar lufadas de ar nos pulmões, para que na iminência do jogo terminar levemos algumas reservas connosco. 8º Se vamos ao fundo sem aviso, não sabemos quando regressamos. 9º O tapete de corais… outra vez.

11º dia - 27 de Junho – Lancies Left e Bintang (não entrei)

Estou novamente cansado. Entrei em Lancies Left de manhã, mas não me apetece remar. Espero pelas ondas no momento em que estas estão mesmo quase a rebentar e só temos que dar um pequeno impulso para começar a dropar. Com esta brincadeira acabo por me deixar ficar muito para traz e levo com um set todo na cabeça. HaHAhaHA… é mesmo assim, é o risco que se tem de correr. Apanhei poucas ondas e saí para a refeição de meio da manhã. Não vale a pena cansar-me mais. Além disso as feridas deixadas pelos pés-de-pato estão-me a cavar covas na zona do tendão de Aquiles. E agora com a época balnear aí, estes buracos já não vão fechar até ao Inverno, pelo menos.

De tarde deram umas boas ondas na Bintang, mas como o swell escasseia os melhores picos ficam imediatamente lotados. O Pedro entrou e fez uns bons tubos. Eu já não tenho pachorra e fico no barco a actualizar o meu diário de bordo.

12º dia - 28 de Junho – Bintang

Último dia. O mar mais pequeno de toda a viagem. Já estava mais que na altura de voltarmos, mas não dá. Claro que se tivéssemos apanhado uns dias sem ondas, agora estes últimos dias seriam esmiuçados até ao fim. Mas não foi o caso. Tivemos sempre boas ondas e agora que neste último dia não há quase ondas dá-nos a sensação de não estarmos aqui a fazer nada. Uma espera demorada para um regresso tão desejado.

De manhã estive a fazer snorklimg. Quase que acabava a viagem sem explorar o fundo do mar. Este não era o melhor sítio para o mergulho, mas os corais aqui são bastantes vivos (ao contrário de outros sítios como as Maldivas) o que mesmo nas piores condições oferece sempre uns cenários multi-coloridos.

De tarde preparava-me para a última surfada. Por sua vez o mar estava cada vez mais pequeno e quase que impossibilitava a despedida. Mas de repente a ondulação voltou-se a formar e a proporcionar alguns tubinhos. Por isso nem hesitei, peguei na prancha e juntei-me ao Pedro e ao Luís que já andavam para lá a desbravar. Foi uma sessão muito animada e tranquila. A chuvada que caiu acabou por afugentar os últimos resistentes, deixando as ondas apenas para o pessoal do nosso grupo. O mar continuou a oferecer boas condições e permitiu-nos ter uma despedida ao nível da viagem. E com um último tubo assim me despedi.

13º dia - 29 de Junho – Padang, Kuala Lumpur

Acordei por volta das 5 am. Tinha sono e sabia-me bem estar na cama, como sempre e normalmente só me levantava às 7 am. O mar já estava bem tranquilo e o barco rumava serenamente.

Quando me levantei e olhei pela janela a paisagem era um esplendor. Montes verdes, recortados por reentrâncias de mar em tons de azul e verde como só no Índico encontramos. Depois entramos no rio que dá acesso ao porto de Padang e as cores dos barcos de pesca misturada com as tonalidades da favela recria uma panóplia de cores imensa.

Tomei o pequeno-almoço ancorado no porto de Padang, cansadíssimo da exaustiva viagem de alto mar que tínhamos tido (eram 7 am).

O aeroporto de Padang é o típico aeroporto de uma ilha tropical, ou seja sem nada. E assim foi a nossa espera de 5 horas até partir – sem fazer nada. O pior foi que também não havia nada para almoçar e assim se iniciava uma longa e penosa jornada de jejum.

Como o voo era Low Cost também não comemos nada durante a viagem. Quando chegámos ao aeroporto LCCT de Kuala Lumpur (aeroporto para lows costs) estava desvairado de fome. Até já me sentia meio tonto. Tinha tomado o pequeno-almoço às 7 am e normalmente almoçávamos às 12:00. Já eram 16:30 e ainda não tinha almoçado, tendo apenas comido uma maça, uns chocolates e uns amendoins.

Ainda tentei demover a nossa comitiva (agora de apenas 8, já que o Charlie e o Marcelo tinha ido via Jakarta) para comermos logo no aeroporto de LCCT, mas todos preferiram rumar primeiro para o aeroporto de LKI (a cerca de 20 Kms) e lá depois de fazermos o check-in, então jantar calmamente. Assim foi, depois de uma viagem de autocarro e de muito andarmos pelos aeroportos, às 20:00 estava finalmente a comer um Mc Tastin no Mc Donalds

Partimos aproximadamente às 23:40. Desta vez vamos ligeiramente mais bem instalados do que na vinda. Estamos numa zona calma do avião e não está o fedor a malaico com que levámos na viagem de vinda.

14º dia - 30 de Junho – Amesterdão - Lisboa

São 7 am da Indonésia, 1 am de Portugal e já não consigo dormir mais. Não porque não quisesse, mas porque já não consigo. Tenho o corpo completamente deformado, ou talvez mais, enformado pelas horríveis cadeiras deste avião da KLM.

A viagem está a chegar ao fim e para já parece-me que o saldo foi positivo. Foi uma experiência única com desafios em todos os sentidos. Durante estes 15 dias desliguei completamente do trabalho e envolvi-me num modelo de vida com qual não me identifico, mas que marcou definitivamente uma pequena etapa da minha vida. Saio daqui enriquecido e com a sensação de ter feito de um reboot.