A história que se segue é relatada por mim e pelo Pedro. Acordámos que cada um escreveria a sua versão sem ler o que outro escrevia e só no final juntávamos os dois relatos que decorreram em paralelo. Este episódio aconteceu acerca de um atrás.
<Miguel>Aqui aparece o meu relato</Miguel> e <Pedro>aqui o relato do Pedro</Pedro>
<Miguel>
Foi neste estado de espírito que fui até à PG (Praia Grande) com o meu grupo da surfada habitual, o Pedro e o meu primo Luís (em adolescente o grupo era maior, mas com o tempo foi-se desvanecendo, cada um seguindo o seu rumo). Ainda faltou o amigo Pipocas que nos últimos anos também se tornou numa companhia assídua desde grupo.
As condições não estavam especialmente boas, mas nos últimos 2 anos o tempo que tenho dedicado ao bodyboard foi transferido para as minhas filhas e acabo por surfar com pouca regularidade. Por isso quando tenho alguma disponibilidade acabo por lá ir independentemente da qualidade do mar (ou talvez não).
Este foi um desses dias onde o tamanho da ondulação estava adequado às minhas preferências: 1 metro, (já lá vão os anos do mar grande), pouco vento, mas a formação das ondas estava um pouco desordenada, dando um aspecto apenas razoável às condições da surfada. Para rematar estava um nevoeiro cerrado, que apesar de tudo permitia avaliar (em parte) as condições do mar.
O Luis manifestou logo a sua intenção de não entrar em mar daquele. Eu e o Pedro que já tínhamos a manhã queimada pensámos que até poderíamos dar uma surfadita de 1 hora só para ganhar apetite para o almoço, antes do regresso ao trabalho.
Assim foi, vestimos os fatos e fizemo-nos ao mar. Ao chegar à linha da água com a areia parámos para fazer o habitual aquecimento e vemos nesse momento 2 bodyboarders a sair do nada de dentro de água. “HEeeeee lá…. mas de onde é que vieram aqueles?”. Porque dali olhando para o mar dava ideia que não estava lá ninguém dentro. O que não era de admirar dadas as fracas condições.
Entrámos mesmo a meio da PG e uma vez na água, remando em direcção ao pico começamo-nos a aperceber que as ondas estavam a rebentar mais longe da costa do que parecia (outside). E estavam mesmo. Assim que lá chegámos já não dava para ver a costa e por isso é que quando estávamos cá fora não tínhamos conseguido ver os 2 bodyboarders que lá estavam dentro. Mesmo assim dava para ver a linha da areia.
</Miguel>
<Pedro>
A surfada correu normalmente. O mar estava um pouco "outside", e por essa razão não se conseguia ver "terra" do line-up. Por essa razão, e por estarmos sozinhos, tentei fazer ondas compridas que me permitissem aproximar-me de vez em quando de terra para me situar. Ao contrário, o Miguel optou por uma estratégia mais calma, talvez por andar lesionado e praticar pouco...
A surfada correu bem, fiz um bom tubo, as ondas estavam com boa formação...tudo normal...tirando não se ver nada!
</Pedro>
<Miguel>
Fomos calmamente surfando sempre a vislumbrar a linha da areia e a dada altura foi notória uma mudança das condições do mar. Parecia que a ondulação estava maior, mas simultaneamente as ondas já não rebentavam e fluíam sem crista. Automaticamente lembrei-me que uma vez que tinha surfado na zona mais a sul da PG a ondulação tinha uma formação muito semelhante àquela. Depois de trocarmos algumas impressões sobre a diminuição da qualidade das ondas comentei: “É pá… nós devemos estar mais a sul do que pensamos. Estas ondas estão com a formação muita marada!”.
</Miguel>
<Pedro>
A certa altura, deixei de apanhar tantas ondas e ficámos um pouco mais estacionários, também a colocar a conversa em dia... O nevoeiro intensificava-se, embora, de vez em quando, desse para ver que estávamos em frente à praia...
Após alguns minutos nesta situação, começámos a notar uma corrente para sul e que nos puxava ligeiramente para fora. A corrente era forte e destruía por completo a formação das ondas, ao ponto de se sentir dificuldade em apanhar.
Como estava um pouco mais dentro e talvez ser mais brutinho na remada, consegui apanhar uma esquerda. A onda era torta devido à corrente, mas muito comprida. Como tinha noção que estava a ser arrastado para Sul, tentei andar o máximo possível para a esquerda aproximando-me (pensava eu) do meio da praia Grande, onde se encontrava o carro. Nada melhor do que sair e ter logo o carrinho em frente...
</Pedro>
<Miguel>
Após alguns minutos de conversa, o Pedro apanha uma onda de esquerda em direcção ao norte da PG e eu logo a seguir apanho uma esquerda mas pouco consigo deslocar-me. Quando estou prestes a sair dessa onda, levanto a cabeça e vejo aparecer de trás do nevoeiro um enorme monte negro. O meu coração congelou e propagou um enorme calafrio pela espinha. Parecia que sentia cada passo da formação do epicentro e a sua propagação ao longo da espinal-medula.
</Miguel>
<Pedro>
Bem, o que aconteceu depois parecia retirado de um filme surreal. No meio do nevoeiro, a terra aproximava-se, mas nada de areia em abundância... Acabei por sair na ponta mais a Sul da Praia Grande, junto às rochas e uma ravina que se prolonga até à Praia da Adraga...
Fiquei espantado! FDP de corrente! O cenário era fantasmagórico, a ravina e rochas semi-submersas confundiam-se com o nevoeiro.
Quando saí, olhei logo para trás para ver se o Miguel aparecia na onda seguinte...mas nada...
</Pedro>
<Miguel>
Conhecia perfeitamente aquele monte. É a encosta mais a norte que se vislumbra na PG. Um monte que na Primavera está coberto de vegetação verde e que se situa para lá das primeiras falésias rochosas, que marcam o fim da zona de areia. Um monte que em dias de sol é verde, mas que naquele dia devido ao nevoeiro era mais escuro que breu, com zonas que mais pareciam autênticos buracos negros de completa ausência de qualquer substância.
A fracção de segundo em que aquele monte se vislumbrou, pareceram-me minutos, como que um holograma que se forma em câmara lenta recriando uma figura monstruosa. Como que se de repente visse aparecer por detrás de uma enorme parede branca a silhueta de um grande barco pirata. O barco vai-se mostrando lentamente deixando primeiro antever a proa e a pouco, e pouco, vai-se destapando do nevoeiro, como um enorme gigante que deixa o seu colossal manto para trás até ficar totalmente descoberto e nesse instante embasbacamos com o tamanho da sua enormidade. “Bhaaa…” Foi assim que eu estupefactei a olhar para aquele monstro descomunal.
No entanto tudo isto nem num segundo se passou. De imediato virei a prancha em direcção à ondulação e remei para fora dali fugindo daquela encosta. Passei a rebentação com algum esforço, mas nada de estonteante. Tal como se passa um set de ondas de 1 metro a entrar. Mas o meu coração acompanhava-me numa palpitação super acelerada.
Sabia que assim que chegasse ao outside tinha que remar em direcção a norte sem qualquer hesitação. Enquanto remava já não via o Pedro no meu horizonte e por isso de certeza que ele já estaria a caminho da areia. Se ele estivesse ainda no mar estaria a lutar contra a corrente tal como eu e eu estaria a vê-lo. Estando tão seguro das minhas hipóteses, também estava seguro que estava bem longe do fim da PG (e a previsão estava correcta).
</Miguel>
<Pedro>
Acabou o set. Pensei eu, deve vir no outro...mas nada...Comecei a ficar nervoso. Comecei a pensar que a situação estava a ultrapassar o normal. Conhecendo a corrente, e a posição onde realmente estávamos, percebi rapidamente que a história poderia acabar mal.
Ainda por cima, o Miguel não tem andado em forma. Lesões sucessivas adicionadas a falta de tempo para treinar conduzem a uma forma física longe da ideal. Isto ainda aumentou a minha preocupação..."espero que o gajo não entre em pânico se desaguar junto às rochas"-pensei eu.
</Pedro>
<Miguel>
Enquanto remava sentia que a corrente estava muito forte e olhando para o grande monte negro, percebia que não me conseguia afastar dele. Comecei a ficar cansado e não conseguia remar num ritmo muito mais forte. Ao mesmo tempo pensava que tinha que equilibrar o consumo das forças. Um esforço em vão poderia esgotar-me de vez e deixar-me sem a energia necessária para o que viesse mais à frente.
Se já estava assustado agora começava a ficar apavorado. Começava a pensar que remando nunca conseguiria chegar à PG. Tentar atracar nas rochas daquela falésia também não era animador. Admitindo que na melhor das hipóteses conseguia chegar sem percalços a uma rocha (impossível), depois ainda teria que ir a pé até à PG o que também era impossível com a maré cheia, porque as escarpas formam autenticas paredes com cerca 10 metros de altura perpendiculares à costa, que bloqueiam totalmente a passagem pedestre. Além disto nunca conseguiria chegar em bom estado às rochas já que naquela zona a rebentação era forte.
Ok, a minha única hipótese era mesmo remar o mais que conseguisse para norte de maneira a tentar afastar-me do monte negro e quando não aguentasse mais ir para as rochas e esperar que já estivesse suficientemente perto da PG para de alguma forma (não sei como) conseguir lá chegar.
Fui fazendo períodos alternados de 5 minutos intensos, ora só de braçada, ora só de pés de pato. Com esforço devo-me ter deslocado alguns metros do monte negro. Mas olhando para a minha direita agora via as enormes escarpas intransponíveis que referi à pouco. Mais à frente continuava a ver novas escarpas.
Já não tinha mais recursos para aquela estratégia. Ainda pensei abandoná-la e deixar-me levar pela corrente. Talvez chegasse à praia da Adraga? Mas a que distância fica essa praia? E se falhasse a praia e fosse parar ao cabo da Roca? Essa já não podia ser uma opção.
Continuei a remar para norte, mas agora a perder novamente forças e a recuar mais um pouco para o monte negro. Percebia agora que já não tinha qualquer solução. Comecei a gritar baixo: “Pedro… Pedro…”. Mas acho que nem eu conseguia ouvir a minha própria voz. “Pedro… Pedro…”. Sabia que já não conseguia sair dali sem ajuda e pensei: “Pedro só espero que já tenhas percebido que eu não vou conseguir sair daqui e que vou precisar de ajuda. Só espero que já tenhas chamado a polícia marítima. Fogo… e se ele pensa que está tudo bem e que até estou a apanhar umas ondas e que vou conseguir sair daqui? Caraças…. Pedro…. Pedro…. Será que a telepatia funciona?” Não pensem que estou a mentir, ou a gozar. Naquele momento só não recorri a deus porque não sou crente (não sei se é esta a palavra correcta). Naquele momento a telepatia para mim era tão válida para mim, como para quem acredita em deus. Falando mais baixinho invoquei: “Pedro… por favor… ouve-me… eu não consigo mesmo sair daqui… chama a polícia marítima… por favor…. Pedro… chama a polícia marítima…”.
</Miguel>
<Pedro>
Cada vez mais aumentava a minha preocupação. O tempo passava. Sucediam-se sets e o artista não aparecia. Depois de estar algum tempo junto às rochas, temi o pior. tinha de decidir: ou entrava novamente e tentava encontrá-lo ou corria para o telemóvel para dar o alarme. Pensei...Bem, estou aqui sozinho e ninguém me está a ver. Se entrar e correr mal, posso ainda piorar a situação...não haverá ninguém para pedir socorro...
Decidi correr para o carro onde tinha o telemóvel. No caminho, ainda falei com o dono do café mais a Sul da Praia grande. Depois de lhe explicar a situação, ele disse-me que o "desaparecido" deveria ir dar à Praia da Adraga, mas a passagem não era das mais fáceis...ele prontificou-se a ir de carro "à volta" e ver se ele aparecia na outra praia.
</Pedro>
<Miguel>
Depois sucederam-se os pensamentos de: “Bolas mas como é que eu me vim meter numa mer%$ destas? Como?” Só o nevoeiro é que me tramou. Nunca, mas mesmo nunca me deixaria cair numa situação destas se me tivesse apercebido que estava a aproximar daquela zona. Garantimos sempre uma margem de segurança e a 50 metros do fim da areia da PG teria voltado para terra. Tal como no mergulho saímos da água assim que a garrafa chega a metade da sua capacidade de ar.
Daí vieram-me os pensamentos em que vemos toda a nossa vida passar-nos num ápice à frente dos olhos. Nunca tive medo de morrer, mas apenas da dor que isso me pudesse causar. Muitas vezes quando voava na minha mota a 240 Kms/h imaginava que a qualquer momento poderia rebentar um pneu e desfazer-me no primeiro rail. Quando saltei de pára-quedas borrei-me de medo da avioneta e não do salto em si. Imaginar-me a despenhar na avioneta até esborrachar-me cá em baixo era um cenário bem pior do que cair de rompão no chão se o pára-quedas não abrisse. Além disso saltar de pára-quedas é mais seguro do que qualquer desporto, ou outro meio de transporte (mas isso fica para outro post).
E agora estava eu ali no mar. Ficar enregelado no mar ou amassado contras as rochas não eram cenários nada agradáveis.
E as minhas filhas. Há poucos dias tinha chegado a uma das minhas frases bombásticas como: “Agora é que elas começam a dar algum proveito, que supere todas as chatices.” Como eu pensava nelas naquele momento e em todos os momentos de felicidade que tinha passado com elas. Segue-se mais um instante de desespero e mais umas remadas desenfreadas e pouco mais me deslocava a não ser impedir que a corrente me levasse de vez.
Não aguentei mais os nervos e comecei a berrar: “HAAAAAAAAAAAAAAA…..” gritei repetidamente umas 5 vezes na esperança de que alguém me ouvisse e percebesse que estava ali um gajo desesperado e chamasse a polícia marítima. De volta só ouvia o meu próprio eco. Não era de admirar com aquelas escarpas mesmo ali ao lado.
</Miguel>
<Pedro>
Comecei a ficar extremamente preocupado e zonzo. Até cheguei a pensar...será que estou a sonhar? Será que esta é uma das vezes em que venho sozinho e cheio de sono para a Praia Grande e isto é tudo maluquice da minha cabeça? Nisto chego ao carro, lá estava a roupa do Miguel...era mesmo verdade...Já tinha passado meia hora e nada! Peguei no telefone para ligar ao 112! Já não via outra hipótese...
Enquanto esperava, tudo me passava pela cabeça...nem queria acreditar o que estava a acontecer! Com que cara é que telefonaria brevemente à Mafalda para lhe dar a notícia que tinha perdido o Miguel no Mar?! Já via as imagens das miúdas na minha cabeça, a família dos Ms... tudo por causa do nevoeiro...Não acreditava que isto estava a acontecer...
Quando a chamada é passada à policia marítima é que finalmente caí em mim. Ao fazer a declaração de um bodyboarder perdido no mar, iniciando a operação de buscas, estava realmente a constatar a situação...
</Pedro>
<Miguel>
Já não sei como aconteceu mas de seguida entrou um set maior que o normal e levei com ele todo em cima. Durante todo o tempo em que remei tinha andado sempre a controlar a linha da rebentação do set para não me deixar levar para as rochas, mas nalgum momento em que vagueei nos meus pensamentos, ou dei mais atenção à encosta, ou porque estava desesperado a gritar distraí-me e deixei-me levar pelo set.
Agora era uma nova etapa em que já não tinha forças suficientes para regressar ao outside. Tinha que tentar atracar numa rocha. Mas qual rocha? A única coisa que via era uma enorme laje que formava um socalco para água de cerca de metro e meio. Seria difícil de dentro de água conseguir trepar para ali para cima, mas era a única alternativa. Será que tinha que livrar-me da prancha? Isso nunca. Mas como é que ia trepar com pés de pato e prancha? Logo se veria. Será que era melhor voltar para o outside? Mas já não tinha forças para passar outro set. Tinha mesmo que trepar aquilo. Vou-me esfolar todo. E depois, será que me vêm buscar? Quanto tempo vou aqui ficar? E se a maré continuar a subir? Vou-me esfolar todo.
À medida que me ia aproximando e a encosta surgia por de trás do nevoeiro, o seu perfil ficava mais nítido. Agora via que a laje era contornada pelas escarpas, cuja silhueta já tinha vislumbrado antes e que entre elas formavam-se enseadas de água. Não podia ir parar a uma daquelas enseadas porque dificilmente sairia dali. Imaginar-me nesse cenário ainda me deixava mais intimidado.
Mais uma razão para não poder mesmo livrar-me da prancha. Nessa altura até me lembrei de um programa de televisão, que tinha visto em tempos sobre a caça ao pecebe, onde os pescadores andam exactamente naquelas condições com uma prancha de bodyboard a apanhar os bichos.
No meio disto sou apanhado em mais duas ondas que me enrolam bastante (nada de especial em situações normais, mas um pouco mais desesperante naquele momento) e fico com uma brutal cãibra no gémeo da perna esquerda. Quando vim acima decidi logo que nem se quer ia tentar esticar a perna para passar a cãibra (que é a 1ª reacção que temos em situações normais e que nos deixam dentro de água, tipo bóia de cana de pesca a flutuar na vertical, ora dentro, ora fora). Naquele caso deixei a cãibra a desencadear-se por si enquanto ia fazendo a aproximação às rochas no meio de uma ondulação agitada. Não parava de pensar na forma como iria subir aquelas rochas. Largo a prancha? Não, não posso.
Já mesmo colado à rocha senti que havia uma ligeira corrente em direcção à PG (para norte). Claro, só naquele desespero é que não me lembrei disso. Se no outside a corrente puxa para um lado (sul), no inside a corrente tem que puxar no sentido contrário (norte). As correntes são originadas por remoinhos, de menores ou maiores dimensões, mas são sempre remoinhos. A única hipótese que nunca coloquei foi deixar-me a deambular junto às rochas. Embora estúpida à 1ª vista esta era a única opção, que me faria voltar à PG.
Óbvio que enquanto ali estive, não fiz nenhum destes raciocínios. Apenas senti uma ondulação que me deslocou ligeiramente para norte e eu limitei-me a deixar ir e controlar a distância às rochas. De seguida entrou mais uma ligeira onda para a esquerda (norte) que apanhei e me levou mais um pouco.
É nesse momento que se dá o épico. Enquanto me desloco na onda começo a ver a aparência de uma pequena trincha de areia a esfumar-se entre o nevoeiro. Será que é? Será que é uma miragem? Será que é do cansaço? Era mesmo areia! Mas ainda estava longe. Tinha que remar mais um pouquinho em direcção a umas rochas mais pequenas, que já eram transponíveis para conseguir chegar finalmente à areia.
“Vou conseguir… agora vou conseguir… Mafalda eu consegui… eu vou sair daqui… eu vou sair daqui…”. Parei. Olhei para traz para ver como estava a ondulação. Descansei um pouquinho só para ir buscar o último fôlego que me iria levar até aquela areia. Vi que ia entrar um set e apanhei o primeiro espumaço que ma ia tirar dali. Andei bastante, devo ter andado tanto como o Pedro andou naquela esquerda que o conseguiu levar dali.
Cheguei a umas rochas pequenas e pus-me bem de pé, apesar de ter o gémeo da perna esquerda bastante dorido pela cãibra que me tinha dado. Daí passei para um pedacinho de areia, outra rocha, areia,… e cheguei à areia que dá inicio à PG.
Cheguei… cheguei…. estou em terra. Não parei… continuei a caminhar muito calmamente… fui tirando um pé de pato… o outro… e continuei a caminhar… depois tirei o shop da mão e continuei a caminhar… já não olhei para trás. Era como se continuasse a fugir do monte negro, das escarpas, das grutas, das rochas,… a respiração era acentuada… sentia que a aquela caminhada me estava a dar um prazer enorme. Era uma caminhada de passos muito lentos, quase arrastados, mas sem arrastar. Cada passo cravava-se na areia com um enorme prazer. Ia olhando para os pés à medida que andava. Ia saboreando o chape, chape, daquele caminhar à beira mar. Nem me apetecia levantar a cabeça…. “Que bom… caminhar… que bom”.
Deve ser esta a sensação de chegar ao céu. A verdadeira paz. Não ouvia mais nada além de mim e do mar. Era o som mais tranquilizador, que alguma vez tinha ouvido na vida. Que sensação espectacular. Só comparável ao nascimento da Madalena e àquele momento em que lhe pego com os braços. Relaxe total. E continuava andar vagarosamente sem nunca parar. Cada passo que dava na areia transmitia uma vibração de conforto total.
Quando finalmente levantei a cabeça nem discernia bem onde estava. Aquela era uma zona da PG onde nunca tinha estado. Mesmo, mesmo lá no fundo onde o Judas perdeu as botas. Ainda tive que andar muito até chegar à zona da PG onde tínhamos entrado do mar.
Mas antes de lá chegar ouço então alguém a berrar. Tento discernir algo mais ao fundo do horizonte e vejo que era o Pedro. Levanto o braço confirmando-lhe que sim era mesmo eu e de seguida vejo-o a correr em direcção a mim. OK, posso parar de caminhar. Agora terminou. Parei e olhei o mar. Olhei mais uma vez e despedi-me: Inté.
</Miguel>
<Pedro>
Nisto, do meio do nevoeiro, 45 minutos depois, aparece um vulto...era o Miguel...agora sim..."Sebastião" Carvalho!!!! Quando finalmente me acenou, fiquei radiante! Tudo tinha acabado em bem! O homem vinha estourado fisicamente e psicologicamente, tinha passado um mau bocado mas...estava ali! O que se passou lá dentro deve ter sido assustador, mas essa história fica para o próprio...este é apenas o meu depoimento...
O mar e a natureza têm destas coisas, de tempos a tempos mostram-nos como somos pequeninos...Ainda bem que acabou tudo bem...
A situação foi como o nevoeiro, sombrio e assustador, mas ao mesmo tempo serviu para sentir a falta dos amigos! que tenhamos mais dias juntos dentro de água...mas com Sol, de preferência!
</Pedro>