Mentira. Correcto seria dizeres: "Nessa casa eu não ouvia barulhos". Pois lá haviam muito mais barulhos do que o normal. No entanto eu nesse tempo também não ouvia barulhos. Porquê? Porque era a casa que eu sempre conheci. Aquilo que normalmente chamamos: a casa onde nascemos. Foi ali que nasci e por isso existia uma química inexplicável. Algo que qualquer dia um auto-titulado entendido, doutor de uma faculdade dos Estados Unidos (qual faculdade? Não interessa, uma qualquer, desde que seja americana) virá provar que segundo um estudo, 73,48% dos humanos atinge um estado de serenidade plena na casa onde nasceu, que nunca consegue igualar noutro lugar, etc, etc, bla, bla… Dito por mim, já não tem rigor científico, nem serve de prova, mas seguem-se os factos.
A casa onde nasci era envolvida por duas ruas, onde a da frente (para onde dava o meu quarto) a partir das 7 da manhã contava com uma fila intensa de carros em procissão para entrar em Lisboa. O trânsito era de tal ordem, que até para tirar o carro e entrar nessa fila era complicado. As businadelas acabavam por ser inevitáveis, mas isso nunca foi motivo para me tirar da cama.
Na rua de traz (para onde dava o quarto da minha irmã) não se formavam filas, mas era uma rua de trânsito intenso (onde agora será construído o túnel da CRIL), onde sempre que passava um camião as janelas estremeciam como se fosse um tremor de terra.
A minha casa era a menos de 100 metros da estação de comboios de Santa Cruz de Benfica e sempre que amigos nossos lá iam dormir queixavam-se que de noite acordavam com o apito dos comboios. Em 18 anos que lá vivi, nunca ouvi um comboio apitar.
Em 1993 mudámo-nos de casa. O meu quarto passou a dar para uma rua sem trânsito. As janelas eram de vidros duplos. Tinha ar condicionado no quarto e podia dormir como a temperatura que mais me agradava. No entanto nunca mais voltei a ter um sono tão profundo como na casa onde nasci.
Em suma a casa onde nascemos é sempre perfeita independentemente do sítio, forma e feitio, porque é simplesmente A CASA.