Aí vai um ciso trá… lá… lá…

October 26, 2006
Foi hoje que finalmente foi removido o ciso. Depois de tantas consultas abortadas cheguei a pensar que também não seria hoje que o assunto seria arrumado. Mas quando entro no consultório e me aperalto na cadeira, noto uma movimentação que não era habitual. As enfermeiras cirandavam em tarefas de esterilização e revestimento de todos os utensílios de trabalho, com plásticos e papeis verdes, que nunca tinha visto noutras consultas mais convencionais. A médica parecia que ia entrar numa central nuclear, também ela coberta dos pés à cabeça. E enquanto a médica esperava que as enfermeiras terminassem a tarefa, esta mantinha-se com os braços no ar para que não se contaminassem.

Tinha um discurso preparado para fazer a médica mudar de ideias: “Sabe? Aqui o outro dente ao lado do ciso que me desvitalizou tem-me dado algumas dores. Se calhar não está em condições. Era melhor ver esse dente antes de arrancar o ciso.” Ela responde: “Sim, sim. Vamos remover o ciso e depois de vermos a evolução logo ficamos a perceber como está esse outro dente.” Estava mesmo tramado.

Chegam-se ao pé de mim com 3 comprimidos: um antibiótico, um anti inflamatório e um analgésico. Perguntam-me: “Comeu há muito tempo?”. Eu: “Nem por isso. E comi bem. Por via das dúvidas comi uma costeleta de novilho bem grande e mais umas imperiais para diluir, a ver se isto custava menos.” Mas até agora estava a custar bastante. Até já tinha tomado um benuron de 1G para a dor de cabeça. Vamos lá ver o resultado das imperiais e destes 4 comprimidos.

O processo de extracção do ciso, lá se desenrola com os passos normais: anestesia superficial, anestesia convencional, mais anestesia por aqui e ali, mais anestesia acolá e quando não havia mais nada para anestesiar lá começa a operação de extracção num passo bastante acelerado, que nem eu esperava. Parecia que a qualquer momento a anestesia poderia acabar e não havia mais tempo a perder. Lá ia vendo as ferramentas entrar e sair e afinal aquilo não doía nada. O que me chateava mais era manter a boca tão aberta e sobretudo a enfermeira encarregada de aspirar, que me estava a trilhar o lábio contra o dente. Lá tive que reclamar: “Ahgr… grhh … ah…” Médica: “Está-lhe a doer? Mais anestesia?” Eu: “Mais anestesia não. Só se for no lábio para não sentir a enfermeira a trilhar-me com o aspirador.” Ok, lá ela teve mais cuidado nos 15 segundos seguintes e depois voltou à carga.

De todas as ferramentas que via passar a que me fez mais confusão era uma chave de fendas. Uma chave de fendas autêntica com a cabeça em estrela. E no meio daquilo tudo só via a médica a fazer força. Imensa força. Como se estivesse a apertar um parafuso no meu dente. Mas que raio estava ela a fazer? Ao fim de 30 minutos lá diz médica: “Isto está mais difícil do que eu esperava!”. Somos 2, pensei. “O dente está muito deitado e debaixo do molar da frente.” Lá continuava ela a enroscar aquelas coisas no meu dente e o dente nada de sair. Em qualquer interrupção eu aproveitava para a questionar: “Se calhar se em vez de empurrar, se puxasse, talvez o dente saísse? Digo eu.” Ela: “Se desse para puxar já o teria feito há muito tempo.” Pois e quem se lixa é o mexilhão.

Lá ia ela empurrando, cortando, serrando e sei lá mais o quê. Cada vez que usava a broca ficava um cheiro a carne queimada no ar. “Olhe lá… cheira uma bocado a porco queimado. Por acaso não está a queimar nada a mais? ” Ela: “Não. É mesmo assim. É de estar a cortar o dente.” Pensei eu: “que caraças. No fim disto tudo nem um dente em condições levo para casa”.

Ao fim de 50 minutos lá vem ela com a mesma conversa de que o dente está muito deitado e agora acrescenta: “E o ciso do outro lado está igual.” Respondo eu: “Ai é? Então assim nunca mais cá venho.” E fiquei a pensar: “se calhar a médica ainda fica ofendida e aleija-me. É melhor explicar-me melhor.” E lá digo: “hjra… aghr.. hre…”. Ela pára e eu: “Não é nada pessoal. Não venho aqui mais nem a dentista nenhum.” Susceptibilidades saradas continuámos nas nossas tarefas. Ela a esmurrar-me e eu a aguentar-me.

Chiça que aquela porcaria nunca mais acabava. “Bolas que isto é pior que ter um filho.” Ela ri-se: “Já deve ter tido muitos para dizer isso.” “Não tive eu, mas tive 8 horas lá ao lado e foi como se fosse eu a tê-lo.” “8 horas? Mas então porque é que não fizeram cesariana?” “Poqnhe hné phihnor.” A médica já estava novamente de broca na mão e a conversa desenrolava-se. “Acha mesmo que cesariana é pior?”

Agora está quase a terminar. Ao fim de 1 hora de trabalho finalmente começa a puxar o dente e eu: “AAAAAAAAAAAAAAaaaaaiiiiiiiiii”. Ela: “Pois, pois este ligamento é muito forte. Vou-lhe dar mais anestesia.” Pimba mais umas picas no ligamento, mas aquilo não parava de doer e ela não parava de puxar. E eu: “Não dá para descansar um bocadinho. Estou-lhe a notar algum cansaço. Fazia-lhe bem.” E ela: “É que se passar o efeito da anestesia é muito pior para si.”

E pronto, eu tive que me aguentar à bronca e o dente lá saiu. Tenho-o aqui comigo. Não é um espécime bonito. Realmente não é. Ainda por cima tem a coroa partida, o que desfigura totalmente o troféu. Mas foi o que se conseguiu arranjar ao fim de quase hora e um quarto de trabalho.