Argumento pouco fomentado e que pouco tolero é: ”vocês homens nunca saberão o que é aguentar as dores de um parto”. No entanto é verdade.
Mas para quem acompanha de corpo, alma, coração, com dedicação, sentindo segundo a segundo a gratificação de aliviar 1% desse esforço do parto, também dá vontade de dizer: “vocês homens que nunca acompanharam um parto não imaginam o que é lá estar 10 horas”.
10 horas a contar cada um dos segundos que formam aquele eterno minuto em que perdura uma contracção. Numa única palavra: VIOLENTO.
E posto isto tudo o resto que vou escrever pouco interessa apenas quero eternizar aqui tudo o que me permita recordar alguns dos momentos que por lá passei.
O 1º grande choque começou pelo facto de as contracções da Mafalda em vez de terem picos máximos de 70, 80 ou até mais à maluca 90, tinham valores que batiam nos 127. 127 era o valor máximo que aquele CTG registava. O mais cómico é que o papelinho que regista o CTG tem um máximo aos 100, fazendo com que o gráfico da Mafalda parecesse qualquer coisa menos a suposta sinusoidal, mas sim uma onda quadrada. BEM QUADRADA. Foi muito violento para a Mafalda.
Categórico foi estes sintomas anormais só terem-se iniciado às 24:30 quando a médica disse que eu poderia ir para casa. Deve ser alguma relação de causa efeito. É que ao fim de 40 semanas de gravidez as contracções da Mafalda andavam próximas do ZERO. Quase que se antevia uma cesariana.
Por isso quando chegamos ao Hospital à meia-noite para anunciar que a Mafalda tinha as águas rebentadas não esperávamos que se iniciasse do NADA o trabalho de parto. Além de que as águas tinham rebentado às 19 horas e até à meia-noite nada de contracções.
Posto isto e já estava a Mafalda às 24:30 instaladíssima no seu quarto, comigo ao lado e a médica a fazer-me um ponto de situação que se resumia a mandar-me para casa dormir porque aquilo era coisa para só nascer lá para o fim da tarde do dia seguinte (Domingo).
Preparava-me eu então para ficar só mais meia hora antes de ir para casa quando do nada aparece a primeira contracção da Mafalda, que apesar de ser ainda a primeira, colou logo no máximo de 127. E claro que devidamente acompanhada de muita dor. Passada a contracção optei por aguardar mais uns minutos e aí vem outra exactamente igual a colar nos 127. Por volta da 1:30 entra a médica e eu salto-lhe logo em cima a perguntar: “Olhe aqui o gráfico não tem mais espaço para registar os valores das contracções. Isto está a ultrapassar os valores máximos. É normal?” Medica: “àaa… sabe… isso depende muito de pessoa para pessoa… etc e tal” Eu: “Mas olhe que em todos os livros que li e nas aulas de pré parto nunca tinha visto uma linha com este aspecto. Isto é uma onda quadrada. Não é uma sinusóide. Isto não parece nada normal”. Por mais que insistisse, a médica não se mostrava preocupada com o assunto.
Viu-lhe a dilatação. 3 dedos. E disse para continuar assim e manter a respiração para que o trabalho de parto começasse a decorrer normalmente.
Até às 3 da manhã fui mantendo a minha tarefa de vigia do CTG e aquilo batia sempre nos 127. A Mafalda lá ia respirando, ou melhor, “bufando” e eu acompanhando e tentando re-estabelecer o ritmo da respiração dela.
Às 3 da manhã já estava a Mafalda nos picos das dores máximas e entra o enfermeiro a perguntar então se ela queria levar a anestesia epidural. Outra coisa não queria ela que já estava a desesperar com as dores.
Chegou aos 4 dedos de dilatação e chegou então a hora de levar a epidural.
Tive que sair e aguardei 40 minutos, dos quais 20 foram os mais agoniantes da minha vida. Antes de sair perguntei ao médico quanto tempo é que aquilo levaria no máximo; ao que me respondeu 20 minutos.
Ao fim dos primeiros 20 minutos bati à porta e ouvi: “aguarde um bocadinho.” Um bocadinho do tamanho de 20 minutos em que andei sozinho desesperado para traz e para frente à espera de poder entrar.
Já perto das 4 da manhã quando entrei vejo o mesmo quarto bastante modificado com uma série de novos apetrechos e na frente da cama da Mafalda a bacia do lixo com umas compressas cheias de sangue. O cenário não era nada bonito.
Corri para a Mafalda e percebi que estava tudo bem.
Mal sabia eu que até aquele momento tinha sido a fase mais fácil.
Tomei o meu lugar ao lado da Mafalda, de olho no gráfico e no ecrã do CTG. Antes de a médica sair disse: “Mafalda, quando sentir vontade de fazer força tem que controlar e não fazer força. Caso contrário vai impedir a dilatação e o parto natural.” Nem imaginaria eu alguma vez que contrariar a vontade de fazer força ainda era pior que as contracções a 127.
Inicialmente e quando começou o efeito da epidural propiciava-se um momento de sossego. O gráfico do CTG tinha-se finalmente aproximado daquilo que eu conhecia: sinusoidais perfeitas com picos máximos de 70/80. A Mafalda então dizia: “Isto da epidural é um espectáculo. Já não dói nada”. O meu descanso foi só de 5 minutos.
Vem a terceira contracção e a vontade da Mafalda fazer força. De repente, vejo a Mafalda a parar de respirar, a inchar que nem um balão e a ficar muito roxa. Algo aproximado a um ataque de asma, mas 1000 vezes pior. Eu: “Vá Mafalda calma… não podes parar de respirar … vá respira … não podes fazer força.” E estou eu 1 minuto assim com esta conversa até passar a contracção.
Ok, finalmente passou. Eu: “Então Mafalda? O que é que se passa o que é que foi aquilo?”. Ela: “É pá…tu não imaginas… dá uma vontade enorme de fazer força… é de loucos…” Eu: “Então e paras de respirar?” Ela: “Isso era porque eu estava a fazer força.”
FAZER FORÇAS? Bolas, bolas, bolas, …. Ela não podia fazer força. Não posso deixá-la fazer força. Se ela faz força não há dilatação, se não há dilatação não há parto natural. O que é que eu faço? Ok. Comecei a lembrar-me da aula de pré-parto em que diziam: “Os acompanhantes têm que ajudar a mulher a controlar a respiração. E não podem dizer-lhe explicitamente que ela está a fazer mal. Têm que a ir incentivando dizendo: Ok, estás a fazer bem, continua… vá lá … não pares de respirar… isso… muito bem”.
No meio deste pensamento de 2 minutos vem outra contracção e a Mafalda novamente roxa. Eu: “respira … vá lá … não pares de respirar… isso… muito bem… vá lá … … isso… estás a ir muito bem…. continua… respira”. Tudo isto esforçando-me por manter um tom de voz baixo, perto do sussurrar, que não a enervasse mais que aquilo que ela estaria.
Passou a contracção e lá fico eu a fazer-lhe festas na cabeça e a dizer-lhe: “Estiveste muito bem. Isso. Tens de continuar.” Ela: “É pá não aguento. Tenho imensa vontade de fazer força.” Eu: “Tu és forte. Estás a ir muito bem”. E dizia-lhe isto com o ar mais sereno e convincente do mundo. Por dentro começava a sofrer tanto como ela. Ao mesmo tempo pensava eu: “Que merda. Ela não está a conseguir controlar-se. Tenho que continuar a incentivá-la.”.
Tudo isto durou 4 minutos = 1 minuto de contracção + 2 minutos de intervalo + 1 minuto de contracção. Eram 4:05 am. Foi uma hora sempre assim. De 2 em 2 minutos lá estava eu e ela no mesmo processo. Não havia descanso.
As coisas lá foram encarrilando e só às 5 da manhã é que já tínhamos o processo mais ou menos alinhavado. Antes de vir a contracção, pelos valores do CTG eu avisava-a e ela começava a preparar-se. Depois, no pico da contracção começava eu a despejar todos os meus incentivos, esmiuçando toda a imaginação em busca das melhores palavras para que ela continuasse da melhor forma. E sempre esforçando-me para não elevar a voz e continuar num tom de sussurro que a acalmasse e que desse para ela ouvir.
Perto das 5:30 as dores começaram a voltar e o processo começou novamente a descambar. Chamei a enfermeira para dar uma segunda dose de epidural. Ela disse que sim, mas foi-se embora e não voltou. As contracções retomaram os picos de 127. A situação começou a ultrapassar o insuportável.
Chamei novamente a enfermeira e no momento em que ela chega começa a Mafalda com uma das suas contracções violentíssimas. Dá-se um dos episódios da Mafalda roxa e eu a sussurrar-lhe: “vá Mafalda… respira… muito bem…isso…. respira… continua…”. A enfermeira olha para a Mafalda com um ar completamente atordoado e diz: “Ai coitadinha… que horror. Ai ai… Vou chamar a anestesista….” E antes de a enfermeira sair enquanto eu continuava a sussurrar à Mafalda e a olhar para a enfermeira com um ar incrédulo, ela diz-me: “E você aí continue a fazer isso. Está a fazer muito bem.” Eu continuei. Já desesperado continuei. E aí comecei a ficar mesmo cansado. Estava desesperado e nem se quer podia demonstrá-lo. Tal como a enfermeira tinha dito: “E você aí continue a fazer isso.” Eu tinha que continuar. Era o mínimo que podia fazer.
Chegou a anestesista e eu tive que sair pela segunda vez para o corredor. Eram agora 6 da manhã. Sentia-me exausto. Pensei: “Fogo. Quem é que me incentiva a mim?”. Ao mesmo tempo continuava a ver exactamente o mesmo sofrimento da Mafalda estampado na minha cabeça. Sem estar ao lado dela conseguia ver todas imagens dela a sofrer por traz daquela porta. Tinha as imagens gravadas no cérebro. E agora estava ela lá com a anestesista e já não me tinha a mim para ajudá-la. E isso partia-me o coração e deixava-me de rastos. Senti então os olhos a ficarem pesados e uma enorme vontade de chorar. Mas não podia chorar. Já faltava pouco para entrar e eu era o suporte da Mafalda. Não podia dar parte fraca. Por pior que eu estivesse ela estaria 1000 vezes pior. Eu tinha que me aguentar. Não era altura para mariquices. Tinha que esperar e tinha que continuar a mostrar serenidade. Tinha que ter força. Se ela era forte para aguentar aquilo eu também tinha que ser. E aguentei. Nem uma lágrima larguei. Mas estava desfeito por dentro.
Voltei a entrar eram 6:10. A Mafalda já estava com um ar aliviado da anestesia, mas muito cansada. Retomei a minha posição de controlo do CTG. Os valores das contracções tinham caído imenso. O pico máximo nem ultrapassava os 40. Pensei então que poderíamos relaxar os dois um bocadinho. Nesta fase ela já ia com 6 dedos de dilatação.
Comecei a sentir-me esgotado. Só queria dormir. Queria deitar-me e não podia. Já nem conseguia estar sentado. Sentei-me 10 segundos. Andei 30 segundos. Sentei-me 5 segundos. Andei 20 segundos. E assim sucessivamente.
A Mafalda também estava mais calma e relaxada e isso deixava-me tranquilo. Ela chegou mesmo a dormitar alguns minutos. Eu olhei para chão que já estava com um aspecto fofinho. Pensei em deitar-me no chão a dormir. Mas não dormi e continuei ali.
Até às 7 da manhã as coisas mantiveram-se mais calmas. A Mafalda queria que eu fosse dormir uma horinha para o carro. E insistiu várias vezes… E insistiu outra vez…. No meio do sofrimento dela, ainda conseguiu ter esta atenção para mim. Mas eu não fui e continuei firme do lado dela. Quanto mais ela insistia para eu dormir, mais força me dava para aguentar. Era como se fosse o último reforço de energia que ela agora me passava para que eu conseguisse aguentar as duras horas finais.
Às 7 da manhã ela começou novamente a ficar com a vontade de fazer força e a prender a respiração. O pior é que todos estes sintomas manifestavam-se quando o CTG ainda estava com valores muito baixinhos. Chegou uma altura que o CTG tinha valores de 10 e ela começava logo a bufar. Eu dizia-lhe: “Calma…. não te canses já. Aquilo ainda está a 10….” Mas nada ela já não aguentava. Chamei a enfermeira e expliquei-lhe a situação, ao que ela me respondeu: “àaa isso é normal… isso depende muito de pessoa para pessoa… etc e tal” Onde é que foi que eu já ouvi isto?
Voltou o desespero. Agora tinha que estar com imensa atenção ao CTG porque os sintomas da Mafalda eram completamente divergentes dos valores do CTG. A dada altura o CTG estava na casa dos 20 e a Mafalda calmíssima. Quando o CTG descia para 10 ela começava novamente a bufar.
Já não percebia nada. Devia ser uma alucinação. Eram agora 7:30 e chamei novamente a enfermeira. E disse-lhe: “Isto não pode ser. Este gráfico não faz sentido nenhum.” Enfermeira: “Não é bem assim. Ela está aqui com uma contracção… e tem aqui outra.” Eu: “Só se olhar para o gráfico de pernas para o ar. Já reparou que o valor máximo que aqui está é 20?”. Então a enfermeira saiu a correr para ir chamar a médica.
Lá aparece a médica com um ar de quem estava a bater um choco e lá eu tenho que sair outra vez para o corredor. A espera foi rápida e quando entrei diz-me então que a Mafalda está com 8 dedos. Só faltam 2 para os 10 finais e para o parto.
Ao ritmo a que os dedos evoluem pensei que iria levar mais 2 horas até aos 10 dedos. Mas não. Agora foram só mais 20 minutos. E eu nem se quer imaginava.
Às 8 da manhã pediram-me para sair do quarto pela última vez. Aproveitei para enviar um SMS aos meus pais e ao irmão da Mafalda a dizer que ela estava com uma dilatação de 8 dedos e estava tudo a decorrer normalmente.
8:10 am mandam-me entrar no quarto e já estão lá duas enfermeiras e duas médicas. Uma mais novinha (Dra Liliana) e uma mais velha. Mandam-me encostar a um canto e fico a assistir às enfermeiras num grande corrupio a montarem todo o estaminé. Tinha a sensação que estava numa nave espacial. Só via “aparelhómetros” a mexer e a andar de um lado para o outro. A cama em que a Mafalda estava deitada transfigurou-se completamente. Nem tinha imaginado que o parto iria ser ali naquele mesmo sítio. Aquele sítio onde já tínhamos passado uma eternidade.
Quando finalmente percebo que iríamos dar início ao parto pergunto eu: “Onde é que eu fico?” Dizem-me elas: “Pode-se colocar aí assim ao lado … desse lado aí … etc e tal …”
Lá me ponho ao lado da Mafalda. Olho para a Mafalda e olho mais para direita e vejo o meu amigo CTG. Pergunto então: “Mas assim estou-vos a tapar o CTG.” Elas: “Não há problema. Quando for preciso você vai-nos dizendo os valores.” Eu? Nisso estou eu batido.
E chega o grande momento. A médica diz: “Faça força.” Nesta fase ela tem que dobrar-se como se tivesse a fazer abdominais ao mesmo tempo que faz a força. O meu papel agora é estar ao lado dela bem encostado a ela, com o braço a acompanhar-lhe as costas e a ajudá-la a levantar o corpo para a frente. Mais uma tarefa que não é nada fácil.
Ela fez isto 3 vezes. Em cada uma das vezes eu penso que ela vai explodir. Estas 3 vezes decorrem num espaço de mais ou menos 15 minutos. Tudo parece estar a correr normalmente. Excepto que as contracções que estavam nos 50, subindo aos 127 de cada vez que ela fazia força, começam agora a decair lentamente.
E médica começa a perguntar: “Quando sentir a contracção avise porque é para fazer força.” E contracções nada. Médica: “Então? Acho que está a começar a ter uma contracção”. A Mafalda diz que não e eu o homem do CTG digo: “Doutora isto aqui já está abaixo dos 30.” Espera-se mais um bocadinho e a médica: “É agora não é? Está a começar…”. Mafalda: “Não está não”. E eu: “Doutora isto aqui já está abaixo dos 20.” A médica decide então avançar: “Sim já estou aqui a ver uma contracção. Faça força.” A Mafalda começa e de repente deixa-se cair esgotada a dizer: “Já não aguento mais.” Médica: “Vá lá força. Só mais uma vez.” A Mafalda dá mais uma vez toda a sua força. Vejo a Mafalda a passar de roxo, a rosa e a cinzento e começo a ficar desesperado de olhar para ela. E só penso: “Espero que depois desta força toda, seja esta a última.” Mas ainda não era a última. Espreitei para o meio das pernas da Mafalda e só agora se começava a ver o cocuruto da cabeça da Madalena. Percebi então que ainda ia ser necessária muita força. Força essa que também eu começava já a não ter.
A médica voltou a pedir novamente força. Mas as duas tentativas seguintes da Mafalda foram falhadas. Eu ainda mais desesperado fiquei e começaram a faltar-me mesmo as forças para levantar a Mafalda. Veio uma enfermeira para o outro lado da cama para ajudar a levantá-la. Agora somos 2 a levantá-la. Mas agora cada vez que ela tem que fazer força, levanto-a e viro a cara para o lado porque já não consigo ver mais o sofrimento dela. E claro que não posso dar parte fraca. A Mafalda diz-me agora (passado 2 dias) que me viu perfeitamente olhar para o lado e que achou que eu fazia aquilo para controlar o CTG. Mas na realidade olhava para o lado porque voltei a começar a sentir os olhos a querem-se encher de água.
Quando ela se deitava olhava imediatamente para mim. E eu lá estava sem uma única lágrima nos olhos a olhar para ela e a dar-lhe todas as palavras de incentivo. Ela: “Já não aguento mais.” Eu: “És muito forte. Estás a ir muito bem. És uma valente.” A seguir levantava-a e voltava a ter que desviar a cara.
Não sei se ainda foram mais duas ou três vezes. Houve então a contracção final e a última vez em que ela fez força e que nós a levantámos. E vimos então a Madalena.
Eram 8:38.A Mafalda tem então a sensação do maior alívio possível e a alegria estampada no rosto. Eu…. Eu sou invadido por uma enorme sensação serenidade. Tinha chegado ao fim. Finalmente sentia que a minha participação tinha terminado. Já não tinha mais que controlar-me, que pensar no que fazer, no que dizer… E então estava sereno. Feliz e sereno, a contemplar aquele fabuloso cenário. A Mafalda, a Madalena e eu ali ao lado.
Agora só tinha que desfrutar de todo aquele momento. Sentia-me como se tivesse acabado de descer uma grande onda. Uma daquelas ondas em que quando estamos a meio da descida nunca mais lhe sentimos chegar o fim e que cada vez que descemos mais um pouco ela agiganta-se ainda mais sobre nós. Uma enorme massa de água que não para de crescer. E de repente, quando finalmente chegamos cá baixo e encostamos à parede já estamos petrificados de medo sem saber como tudo vai acabar. Até que num ápice a onda começa a enrolar-se sobre nós, formando um enorme tubo que numa perfeita harmonia nos leva ao infinito. E nisto estamos a fluir a alta velocidade em completa sintonia com o mar.
Era assim que eu me sentia. Como se tivesse agora a fluir num enorme tubo e na maior serenidade possível.
Tal como me sinto agora que finalmente escrevi este texto. Sinto-me sereno e aliviado.
Depois disto ainda decorreu mais uma hora para tirarem a placenta e cozerem a Mafalda. Uma hora de calma e serenidade. Agora a minha imaginação servia para arranjar qualquer assunto de conversa que fizesse a Mafalda esquecer que estava a ser cozida.
Ao mesmo tempo tinha ali a Madalena ao lado e tinha uma enorme vontade, gigante de ir estar com ela. Mas não podia. Se a mãe não podia sair dali, então eu também não podia. Tinha que estar ali com ela.
E de todos os assuntos que puxei e de todas as conversas que inventei a única que me lembro é esta em que digo: “Já viste Mafalda. A Madalena quase que nascia no dia em que Portugal se sagraria pela primeira vez campeão do mundo de futebol.”
A Mafalda responde-me com: “Eu sei que isto é um pensamento um bocado egoísta. Mas só penso que finalmente a partir de hoje vou poder dormir de barriga para baixo.”
Tudo terminou às 10 am ficando eu de estar às 11:30 na enfermaria para receber a Mafalda que saia do recobro.
Mas no meio de tantas mensagens falhadas, novas tentativas de envio das mesmas mensagens e mais os telefonemas para os pais/avós. Eram já 11 da manhã quando estou eu a sair do Hospital para ir a casa tomar um banho e comer qualquer coisa.
Já na minha casa, o banho e o comer foram uma correria. E numa explosão de alegria decidi ter o meu momento de glória no regresso de casa para o Hospital.
Liguei os 4 piscas, acendi as luzes e aí vou eu direito ao Hospital a dar máximos e a apitar a toda a gente que se metia na minha frente. Pensei: “Sempre sonhei com o dia em que iria a correr em urgência para o Hospital para ver pela 1ª vez a minha mulher e a minha filha. É hoje esse dia. É este o meu momento de explosão de alegria. Viva a Mafalda. Viva a Madalena. Viva a força dos M&M&M.”
P.S.1 Cheguei vivo ao Hospital.
P.S.2. Fui barrado por um carro da policia à porta do Hospital, que queria sair ao mesmo tempo que eu queria entrar.
P.S.3. Na porta do hospital só passa um carro de cada vez.
P.S.4 Bastaram 2 berros ao polícia para ele me sair da frente.
P.S.5 Ainda aguardo saber quanto multas apanhei naquele percurso de casa até ao Hospital.